“O digital é prático. Mas, no impresso, o algoritmo sou eu”
Em entrevista especial em celebração aos 75 anos da Abril, Gabriela Onofre fala sobre os rumos da comunicação em um mundo marcado pela tecnologia

Engenheira de formação, Gabriela Onofre construiu uma sólida carreira em marketing liderando marcas globais de bens de consumo e de tecnologia, até assumir o comando do Publicis Groupe Brasil — um conglomerado de comunicação e publicidade que reúne diversas agências e empresas sob sua gestão. Aos 52 anos, ela olha para o futuro da comunicação com a convicção de que, diante da fragmentação de canais, da aceleração tecnológica e do avanço da inteligência artificial, algumas coisas permanecem essenciais: a criatividade, a relevância cultural e a investigação pela verdade. Em entrevista especial para a série em comemoração aos 75 anos da Abril, ela compartilha suas memórias como leitora, sua visão sobre a publicidade e o papel insubstituível do jornalismo.
Você tem alguma relação pessoal com a Abril? Eu tenho 52 anos e a Abril fez e faz parte da minha vida. Muitos dos títulos me guiaram e são minha fonte de informação real. Sempre confiei na Abril e nessa diligência jornalística para saber o que está acontecendo no mundo. A VEJA, por exemplo, sempre esteve presente na minha casa, era assim que a gente se informava: esperava a VEJA chegar. Falando das revistas femininas, a Claudia sempre foi um título importante para empoderar as mulheres, foi uma referência para mim.
Hoje você acompanha alguma revista? Eu ainda sou muito ligada às revistas femininas e ainda gosto do impresso. Minha mãe, por exemplo, até hoje me traz recortes de revista quando acha que eu tenho que ver alguma matéria. E eu, geralmente, já vi! A Vejinha é uma referência do que está acontecendo em São Paulo e eu sempre vejo. A Claudia tem vários jeitos de se comunicar, e eu sigo também pelas redes sociais. Essa mistura do físico com o digital é interessante. Mas o impresso, para mim, tem essa coisa da calma, da pausa, do foco.
No seu dia a dia você consome notícia no digital ou tudo no impresso? Eu ainda leio o jornal físico pelas manhãs. Eu escolho o que eu quero ler – no físico, o algoritmo sou eu. Mas o digital é prático, você pode carregar tudo para todos os lugares. Antes, tínhamos que mudar a assinatura e escolher uma ou outra publicação. Hoje, não preciso estar em casa para esperar chegar a revista. Mas consumir notícia no celular, ainda assim, para mim, é mais para entender o que está acontecendo no dia, é muito mais sobre o headline e muito menos sobre a profundidade.
Você é engenheira de formação, certo? Como entrou na área da comunicação? Eu comecei no marketing por conta da empresa júnior da faculdade. O que me trouxe à comunicação foi a curiosidade pelas pessoas. Porque, no fim, comunicação é sobre pessoas, é sobre o entendimento do comportamento, sobre os porquês. Nós somos um povo que ama propaganda, elas estão presentes no nosso dia a dia, nas nossas conversas. Temos vários bordões que foram criados na comunicação. Agora estou em agência, mas ter vivido a vida dos clientes e entendido seus desafios foi muito importante. Eu só estou do outro lado do balcão, mas dentro do mesmo ecossistema.
“Hoje, não preciso estar em casa para esperar chegar a revista. Mas consumir notícia no celular é mais para entender o que está acontecendo no dia, é muito mais sobre o headline e muito menos sobre a profundidade”
Você, que esteve dentro de grandes empresas, acredita que as marcas entendem também essas mudanças? Sim, acho que cada vez mais, porque está mais difícil de entender onde colocar a comunicação e como encontrar o seu consumidor. Eu sempre digo que o nosso trabalho não mudou. Nós precisamos achar compradores para as nossas marcas vendedoras. O que mudou foi o como. Nunca foi tão necessário ter uma curadoria como a nossa, porque precisamos entender onde está a audiência, qual é a mensagem relevante, como devemos contar a narrativa e qual é a estratégia. E a relação das agências com os veículos de comunicação é importante para que a imagem da marca seja construída de maneira séria.
E quais são suas expectativas para o futuro dessa área? Temos visto uma tendência pela experiência física, justamente por conta da fadiga digital. A mesma coisa que vemos na Abril, com a volta de alguns impressos que eram só digitais, também faz parte dessa reconexão com a pausa, com a profundidade. Estamos usando mais a máquina, sim, a inteligência artificial. O futuro provavelmente será das pessoas que souberem usar a tecnologia, mas a criatividade e a investigação pela verdade ganham uma importância ainda maior nesse novo mundo. Isso não vai ser substituído. No meio de todas as mudanças, a publicidade e o jornalismo seguem lado a lado.
Tem como deixar de ser assim? Não tem. O jornalismo, no fim, é sobre o conteúdo verdadeiro. Estamos falando aqui da Abril fazendo 75 anos. Pode ser que o formato tenha mudado ou se multiplicado, mas a razão de ser não mudou: nos instruir, mostrar o que está acontecendo no mundo, nos deixar atualizados, nos trazer inspiração. É a mesma coisa com a publicidade: nosso papel é fazer com que as marcas sejam culturalmente relevantes e se destaquem.
Você gostaria de deixar uma mensagem pelos 75 anos da Abril? Parabéns! Mais do que bom, é muito importante ter a Abril no nosso dia a dia. Novos desafios da sociedade estão fazendo com que, cada vez mais, ter uma editora forte e relevante seja muito importante.