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O inferno doméstico

Domenico Starnone, que já foi apontado como o autor por trás do pseudônimo Elena Ferrante, fala de 'Laços', seu primeiro romance lançado no Brasil

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 set 2017, 06h00 - Publicado em 1 set 2017, 06h00
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  • Laços, de Domenico Starnone (tradução de Maurício Santana Dias; Todavia; 144 páginas; 44,90 reais)
    Laços, de Domenico Starnone (tradução de Maurício Santana Dias; Todavia; 144 páginas; 44,90 reais) (//Divulgação)

    “Tanto eu quanto ela conhecemos a arte da reticência.” A frase de Aldo resume com precisão o estranhamento que se instalou entre ele e sua mulher, Vanda, no breve romance Laços, o primeiro título do italiano Domenico Starnone, de 74 anos, lançado no Brasil. O escritor é marido de Anita Raja, que um jornalista italiano afirmou ser a autora por trás do pseudônimo Elena Ferrante, o maior fenômeno literário italiano recente. E o próprio Starnone já foi apontado, por um software de análise de textos, como o provável escritor das obras de Elena Ferrante. Laços até poderia ser encarado como uma resposta a Dias de Abandono, talvez o melhor romance de Elena: é como se mostrasse a história da mulher abandonada naquele livro pela perspectiva do marido. Starnone, porém, recusa com veemência qualquer associação com Elena Ferrante nesta entrevista a VEJA.

    Laços trata de um relacionamento e de solidão. Uma coisa é inerente à outra? Somos organismos estruturalmente solitários. A vida social e sentimental atenua nossa solidão, mas não a apaga. É precisamente quando fazemos parte de um casal que experimentamos a solidão como uma companhia tão inevitável quanto desagradável. Uma ausência temporária, como uma separação por motivos de trabalho, nos mostra como estamos inevitavelmente sós.

    O livro fala de um casal que, apesar das décadas de convivência, não se conhece de fato. Todo parceiro é um enigma para o outro?Laços surgiu da minha experiência em acompanhar amigos cujo casamento entrou em crise, mas que, em não poucos casos que me deixaram impressionado, não o romperam em definitivo. As peças foram reencaixadas, e o casamento durou a vida toda, entre tormentos pequenos, mas inesgotáveis. Decidi narrar o inferno doméstico que se segue a uma falsa reconciliação. Não sei se todo casal é um enigma. Com certeza, quanto mais um relacionamento evita jogar luz sobre o seu lado escuro, mais forte ele se torna. Todo relacionamento colapsa perigosamente quando um realismo sábio — a constatação de que os seres humanos são cheios de falhas, e meu parceiro e eu não somos exceção — substitui a admirável e igualmente perigosa obsessão pela verdade.

    No início do romance, Aldo sai de casa, inspirado na revolução comportamental da década de 70. Anos depois, ele volta para Vanda, sentindo-se culpado. A revolução cultural dos anos 70 se provou impossível? As referências aos anos 60 e 70 retratam o fim da antiga família patriarcal e a tentativa de criar outras formas de convivência. Mas a história de fracasso de Aldo e Vanda nos mostra que ainda estamos na metade do caminho. No momento, não podemos voltar. Como na casa fraturada de Laços, juntar as peças não leva a lugar nenhum.

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    Seu personagem principal tem problemas com o envelhecimento. O senhor está com a mesma idade que ele. Como lida com a passagem do tempo? O corpo envelhece, não há nada a fazer. A mente, com sorte, envelhece mais devagar. Eu continuo escrevendo para tirar o máximo proveito do que aprendi e para ver se consigo fazer melhor. Enquanto isso durar.

    O jornalista italiano Claudio Gatti afirma que sua mulher, a tradutora Anita Raja, é Elena Ferrante. Um software usado por pesquisadores da Universidade La Sapienza chegou à conclusão de que o estilo de Elena Ferrante se assemelha ao seu. É possível que vocês dois escrevam os livros de Ferrante juntos? Não. Desculpe-me, mas essa questão é uma estupidez. E eu não sou Elena Ferrante.

    Publicado em VEJA de 6 de setembro de 2017, edição nº 2546

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