Os primeiros indícios de que a economia brasileira está num processo gradual de saída de uma das maiores crises da história estão aparecendo. O balanço de muitas das grandes empresas já mostra que o pior passou — pelo menos, no campo econômico. Em 2016, as 500 maiores companhias em operação no país conseguiram, juntas, um lucro de 32,5 bilhões de dólares, de acordo com a 44ª edição de MELHORES & MAIORES, anuário da revista EXAME, da Editora Abril, também responsável pela publicação de VEJA. No ano anterior, as empresas brasileiras haviam apresentado um prejuízo de 24 bilhões de dólares. O resultado positivo de 2016 foi alcançado mesmo com a queda de 8% do faturamento das companhias, para 809 bilhões de dólares. Em média, o bloco das 500 maiores empresas obteve no ano passado um retorno de 5,4% sobre o patrimônio líquido, revertendo o tombo do ano anterior, quando a rentabilidade tinha sido negativa em 4,9%. “Apesar da crise política que se mostra interminável, as empresas parecem ter focado os negócios, decidiram ser donas do próprio destino e estão tocando o Brasil em frente”, disse Walter Longo, presidente do Grupo Abril, na cerimônia de premiação do anuário, que reuniu cerca de 1 000 empresários e executivos no dia 7 de agosto, em São Paulo, e contou com a presença do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. O evento marcou também o início das comemorações dos cinquenta anos da revista EXAME, criada em 1967.
Mesmo num cenário econômico tão adverso, a trajetória das empresas destacadas no anuário mostra que é possível encontrar alternativas para crescer e lucrar. Uma das principais lições vem da RaiaDrogasil, ganhadora do título de Empresa do Ano, entre as vinte companhias que se destacaram nos segmentos da indústria, do comércio e de serviços. Para a companhia, a crise econômica eclodiu justamente no momento em que estava sendo concluída a complexa fusão entre duas redes de farmácia antes ferrenhas concorrentes — a Raia e a Drogasil. A união foi anunciada em 2011 e, juntas, elas se tornaram a maior varejista de remédios do país, com faturamento de 3,4 bilhões de dólares em 2016. A integração entre as companhias foi consumada em 2014 e coincidiu com uma forte expansão do setor como um todo. Desde então, as vendas de medicamentos e outros produtos de saúde aumentaram 19% no país — a RaiaDrogasil cresceu ainda mais, 26%. No ano passado, a empresa obteve 130 milhões de dólares de lucro, o maior do setor. Hoje, a rede está em dezenove estados, com 1 500 lojas, e até o fim de 2017 espera abrir mais 120. “Mesmo com toda a crise, atuamos fortemente na nossa expansão. Ela se baseia em aumento de presença nos mercados existentes e em uma entrada seletiva em novos mercados”, disse Marcílio Pousada, presidente da RaiaDrogasil.
Os bons resultados colhidos pelas empresas campeãs de MELHORES & MAIORES não vieram de mão beijada. Elas precisaram fazer malabarismos no corte de gastos e no ganho de eficiência. O agronegócio, por exemplo, teve uma quebra de safra devido a problemas climáticos no ano passado. Ainda assim, o produto do setor cresceu 4,5%. A grande vencedora nessa categoria foi a Minerva Foods, uma companhia que persegue uma estratégia desenhada nos anos 90: manter o foco do negócio na exportação de carne bovina (hoje, 60% do faturamento vem do exterior) e expandir suas operações com recursos próprios ou com crédito a juros de mercado — algo bem diferente do que fizeram algumas concorrentes mais barulhentas, como a JBS, que se agigantou à base de dinheiro público subsidiado. Em 2016, a Minerva teve o maior lucro líquido entre as empresas do setor de carnes, com um resultado de 79 milhões de dólares, e a segunda maior margem de vendas do setor, de 4,1%. Agora, a empresa se prepara para crescer pelo menos 30% mais até a metade do ano que vem, com a aquisição de nove frigoríficos de uma de suas principais concorrentes, a própria JBS.
Na cerimônia de premiação, o ministro da Fazenda destacou a nova fase de retomada da economia. Meirelles ressaltou os dados de produção industrial do primeiro trimestre, que mostraram um aumento de 11,7% no setor de veículos, de 5,2% no de vestuário e de 3,6% no de metalurgia, em comparação com o mesmo período do ano passado. A taxa de desemprego, que costuma ser um dos últimos indicadores econômicos a reagir num processo de recuperação, também começa a melhorar. Depois de atingir um pico de 13,7%, em março, o que significou cerca de 14 milhões de pessoas sem trabalho, a taxa caiu a 13% em junho, quando foi verificado também o aumento da massa salarial em relação ao mesmo mês do ano passado. “Há evidências suficientes para perceber que a recessão já ficou para trás, não é apenas objeto de desejo ou de observação superficial”, disse Meirelles, no discurso de encerramento do evento. A retomada da economia é lenta, conforme era esperado. Visto em retrospectiva: o lucro obtido pelas 500 maiores empresas do país em 2016 representa apenas metade daquele alcançado em 2010. Para o governo, apesar de demorada, a recuperação está acontecendo de forma sustentável, com alguma reação dos investimentos, e não baseada em uma bolha de crédito, como ocorreu no passado. “No segundo semestre, os indicadores vão apresentar melhora ainda mais substancial”, aposta Meirelles. É um bom sinal para um país cansado de dois anos seguidos de recessão profunda e de uma crise política que não tem prazo para acabar.
Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2017, edição nº 2543