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O segundo ato

O destino da candidatura de Lula está nas mãos de um dos mais contundentes defensores da aplicação da Lei da Ficha Limpa

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h38 - Publicado em 17 ago 2018, 07h00
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  • O roteiro foi seguido à risca. Do lado de fora do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cerca de 10 000 manifestantes vindos de várias cidades do país davam a impressão de que os brasileiros haviam saído às ruas na quarta-feira 15 para garantir a candidatura do ex-presidente Lula, condenado e preso por corrupção. Discursos apaixonados e protestos contra a Justiça foram captados pelas câmeras dos documentaristas do PT. Do lado de dentro do tribunal, porém, a realidade se impôs. Algumas horas depois de protocolado o pedido de registro da candidatura de Lula, a procuradora-­geral Raquel Dodge ingressou com um pedido de impugnação da chapa petista. A Lei da Ficha Limpa impede que réus condenados em segunda instância possam disputar eleições.

    Por sorteio, a decisão sobre o registro da candidatura de Lula caberá ao ministro Luís Roberto Barroso, um dos mais radicais defensores da aplicação da Ficha Limpa. No ano passado, durante um julgamento em que discutia a abrangência dos casos de inelegibilidade no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro chegou a fazer um desabafo: “A desonestidade foi naturalizada e muitas pessoas, muitas mesmo, perderam a capacidade de distinguir o certo do errado. O país está doente. Portanto, nós precisamos interpretar as leis que procuram trazer probidade e moralidade para o ambiente político”. Na mesma quarta-­feira 15, o PT ingressou com um recurso no TSE questionando a escolha do relator. Até o fechamento desta edição, a presidente do TSE, ministra Rosa Weber, não havia decidido se acatava ou não a solicitação petista.

    Luís Roberto Barroso
    A REALIDADE – O ministro Barroso: “A desonestidade foi naturalizada” (Bruno Rocha /Fotoarena/Folhapress)

    Ao pedido de impugnação da candidatura, Raquel Dodge anexou a prova considerada cabal para eliminar o ex-­presidente das eleições: a certidão que confirma que Lula foi sentenciado a doze anos e um mês de prisão na Lava-Jato. A procuradora argumentou que o petista, por ser comprovadamente ficha-suja antes mesmo do início do processo eleitoral, não pode sequer ser tratado como candidato e deve ser impedido “de imediato” de fazer campanha ou de se valer do financiamento público.

    Ao analisar o recurso, o ministro Barroso tem dois caminhos. No primeiro, pode negar individualmente o registro da candidatura de Lula, acolhendo o pedido do Ministério Público de que se trata de um candidato inelegível. Com isso, retiraria o petista da corrida presidencial sem consultar os demais integrantes do TSE. O segundo caminho, mais provável, é aguardar que cheguem todos os pedidos de impugnação contra o petista, abrir prazo para a defesa do candidato e, por fim, levar o caso para ser decidido pelo plenário da Corte eleitoral, formado por sete juízes. Os petistas sabem que a rejeição à candidatura é inevitável, mas querem ganhar tempo, esticando ao máximo a discussão jurídica. O objetivo é tentar levar a decisão para até 17 de setembro, o que provocaria uma situação bizarra. Lula não seria candidato, mas sua imagem apareceria nas urnas eletrônicas, por falta de tempo hábil para fazer a mudança para a foto do candidato real do PT, o ex-­prefeito Fernando Haddad. É esse o ponto alto do roteiro traçado para tentar resgatar a imagem de Lula e transferir os votos para Haddad. Segundo a pesquisa Ideia Big Data, divulgada por VEJA, qualquer candidato indicado por Lula começa a corrida com pelo menos 9% de intenção de voto.

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    Ao pedir o registro da candidatura do ex-presidente, o PT apresentou o “Plano Lula de Governo”. Em 62 páginas, o nome dele é citado 225 vezes. Já Fernando Haddad e sua provável vice, Manuela D’Ávila, são ignorados. Preso há mais de 120 dias, Lula ainda mantém o partido sob seu comando e a seu serviço. A prioridade dada à sua batalha pessoal preocupa setores petistas. Eles temem que, quanto mais tarde se der a substituição de Lula por Haddad, mais difícil será a missão de transferir votos de um para o outro, já que haverá pouco tempo para tornar o ex-prefeito conhecido no país, principalmente na Região Nordeste, cujos eleitores podem levar o petista ao segundo turno, conforme a aposta do PT. Na quarta-feira, o ex-governador Jaques Wagner defendeu a tese de que a coligação colocasse imediatamente a campanha de Haddad na rua.

    A sugestão de Wagner, que já foi cotado como substituto de Lula para concorrer à Presidência, apareceu numa reunião com governadores do PT e do PCdoB. Em público, quase nenhuma voz se levanta contra a submissão partidária a Lula. Além da pressão feita pelo próprio ex-presidente, conveniências pessoais de outras estrelas petistas ajudam a explicar por que o partido não formaliza logo a candidatura de Haddad. Os senadores Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias, por exemplo, usam a fidelidade inamovível a Lula como estratégia de suas campanhas e tentam pegar carona na popularidade do chefe para conquistar novos mandatos. Para os dois parlamentares, a eventual derrota do PT à Presidência será compensada pela vitória de ambos. É um plano arriscado. Partidos políticos já se prepararam para questionar a legalidade de Lula ser substituído por Haddad. A tese é a seguinte: se o tribunal não conhecer o registro da chapa, não poderá haver substituição de candidato, pois, no rigor da lei, nunca houve um candidato. Com isso, o PT seria punido duramente pela artimanha de levar tão longe a fantasmagoria da candidatura Lula.

    Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2018, edição nº 2596

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