Os ventos gelados do sul
Recorrer das decisões do juiz Sergio Moro não tem se mostrado uma boa estratégia para os condenados da Lava-Jato. O TRF4 está dobrando as penas
Advogados de criminosos envolvidos em corrupção sempre consideram a possibilidade de explorar a infinidade de recursos jurídicos e a morosidade da Justiça para evitar que seus clientes sejam levados à cadeia, e normalmente são bem-sucedidos. Na Lava-Jato, em Curitiba — e, ressalte-se, somente nos casos que tramitam em Curitiba — a tentativa de postergar o julgamento definitivo dos acusados não tem se mostrado uma boa ideia. Na terça-feira 7, um dos principais protagonistas do escândalo de corrupção na Petrobras, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, sentiu isso na pele. Condenado a dez anos de prisão pelo juiz Sergio Moro, ele recorreu ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região na tentativa de anular a sentença. Resultado: os desembargadores confirmaram o veredicto e ainda aumentaram em catorze anos a pena que cumprirá pelo crime de corrupção.
Vaccari não é o primeiro dos réus da Lava-Jato a ter as penas ampliadas. Os três desembargadores do TRF responsáveis pelos processos do petrolão — João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus — têm confirmado ou aumentado as sentenças em mais de 70% dos casos em que os advogados de defesa pediram revisão (veja o quadro ao lado). A diferença entre as penalidades aplicadas pelo juiz Sergio Moro e as impostas pelos desembargadores se deve a uma interpretação distinta da lei. Enquanto Moro considera uma sucessão de episódios de corrupção como um único crime, o TRF entende que são crimes separados. Ou seja, se houve cinco atos consecutivos de corrupção, o réu deve receber uma punição para cada um deles. A fórmula é especialmente adversa, por exemplo, para o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Condenado por Moro a quinze anos de prisão por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção passiva, ele será julgado em segunda instância no dia 21 de novembro. Só que, no tribunal, serão contabilizados três crimes de lavagem, dois de evasão e um de corrupção passiva. Os prognósticos não são nada bons para ele.
O TRF havia absolvido o tesoureiro petista em dois outros processos da Lava-Jato por considerar que as duas primeiras acusações se basearam apenas em depoimentos de delatores. Desta vez, não. Os desembargadores ressaltaram que a comprovação documental dos repasses de dinheiro sujo colocava Vaccari — conhecido pelos comparsas como Moch porque, antes de ser preso, andava sempre paramentado com uma mochila — no centro do escândalo de corrupção. A pena de 24 anos de cadeia foi aplicada ao petista depois de descoberta a participação dele em um caso de arrecadação de 4,5 milhões de dólares relativo a contratos da Petrobras. O dinheiro foi entregue ao marqueteiro do PT João Santana e usado para financiar a campanha da ex-presidente Dilma Rousseff. “Neste processo, pela primeira vez, há declarações de delatores, depoimentos de testemunhas, depoimentos de corréus que à época não haviam celebrado nenhum acordo com o Ministério Público Federal e, especialmente, provas de corroboração que apontam, acima de qualquer dúvida razoável, no sentido de que Vaccari é autor de crimes de corrupção”, disse o desembargador Leandro Paulsen, revisor do processo.
A condenação de Vaccari e os critérios destacados pelos desembargadores para ampliar as penas provocaram uma grande inquietação entre os petistas. O tesoureiro era braço-direito do ex-presidente Lula e as investigações da Lava-Jato colheram evidências de que ele arrecadou mais de 500 milhões de reais em propina. Parte do dinheiro, como ficou demonstrado no processo julgado agora, foi parar na campanha de Dilma. Outra parte foi usada para financiar as atividades políticas e pessoais de Lula. O famoso tríplex do Guarujá foi comprado para o ex-presidente com dinheiro de uma conta de propina que Vaccari administrava junto à empreiteira OAS. Com base nesses elementos, Lula foi condenado a nove anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Assim como Vaccari, o ex-presidente recorreu ao TRF para tentar anular a sentença. O caso deve ser analisado no início de 2018.
Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2017, edição nº 2556