O partido em frangalhos, quase meia dúzia de companheiros presos e uma condenação por corrupção passiva nas costas. Era de esperar que a esta altura a popularidade do ex-presidente Lula tivesse virado pó. Mas não foi o que ocorreu. Nas últimas pesquisas de intenção de voto para presidente, o petista mantinha o favoritismo. Segundo um levantamento do Datafolha divulgado em janeiro, Lula tinha o apoio de 34% dos brasileiros — e uma distância folgada do segundo colocado, Jair Bolsonaro, então com 15%.
Se muitos políticos roubam, por que estão querendo prender justo o que defendeu os pobres?
Homem, 29 anos, morador do Recife (PE)
O que explica a resiliência política de um condenado em duas instâncias, investigado em pelo menos oito inquéritos, réu em seis processos, à beira da prisão e da inelegibilidade eleitoral? Uma pesquisa do Ideia Big Data — feita ao longo do mês de março com 580 pessoas em 27 estados brasileiros — ajuda a entender o fenômeno. O trabalho usou o método da “antropologia digital”, em que os indivíduos pesquisados interagem em tempo integral com os pesquisadores por meio de vídeos e questionários on-line enviados a um aplicativo instalado no telefone celular. Além de respostas a perguntas objetivas, o sistema permite a captação de pontos de vista e percepções mais sutis no grupo pesquisado. No levantamento do Ideia, realizado com exclusividade para VEJA, esse grupo era composto de eleitores “típicos” de Lula — concentrados nas classes C, D e E e moradores de bairros populares.
O estudo concluiu, por exemplo, que a imagem do “presidente que não sabia de nada” deu lugar a outra, a do político que “rouba, mas fez algo por mim”. “Durante muito tempo, esse eleitor acreditava fortemente que o ex-presidente desconhecia casos de corrupção como o mensalão”, diz o economista Maurício Moura, fundador do Ideia e pesquisador da Universidade George Washington. “Agora, ele continua fiel a Lula, mas já expressa o sentimento de que o petista não é ‘nenhum santo’.”
Lula, na visão dos pesquisados, pode ter roubado (“como todos os políticos roubam”), mas ao menos melhorou a vida dos brasileiros mais pobres — motivo pelo qual estaria sendo agora “perseguido”. Nesse sentido, a aposta em seu nome como candidato à Presidência seria bem menos ideológica que prática.
O que eu tenho aqui na minha casa — armário, cozinha, azulejo na parede — foi comprado na época em que o Lula estava no poder.
Homem, classe C, 30 anos, morador de Cabo de Santo Agostinho (PE)
O petista é admirado sobretudo por mulheres adultas (grande parte delas mães que, na condição de principais provedoras da casa, afirmam ter tido no seu governo uma melhora real de vida — a delas próprias ou de seus familiares) e por jovens que conseguiram fazer curso superior na época em que Lula estava no poder. Mesmo pesquisados do Sudeste que relatam não ter sido beneficiados durante o governo do petista fazem menção a familiares no Norte-Nordeste que o foram.
“É esse patrimônio de gratidão que ajuda a manter o ex-presidente à frente nas pesquisas de intenção de voto”, afirma Moura. Esse “patrimônio”, indica o levantamento, aumenta à mesma medida que diminui a renda do eleitor — ou seja, quanto mais pobre ele é, maiores são o respeito e a admiração que nutre pelo petista.
Lula também é visto por apoiadores como “diferente” do político que age movido por interesses próprios, que “aparece na eleição e depois some”. Seu eleitorado fiel o enxerga como alguém que “olhou para os pobres”. Trata-se de uma percepção em grande parte nutrida pela sua extraordinária biografia — se ela será irremediavelmente maculada pela prisão do petista, a próxima pesquisa dirá.
Publicado em VEJA de 11 de abril de 2018, edição nº 2577