“Sem a Abril, eu teria seguido outro caminho”
Em entrevista em comemoração aos 75 anos da Abril, Hugo Rodrigues conta como as revistas da editora moldaram sua infância, sua carreira e sua visão de mundo

AOS 17 ANOS, Hugo Rodrigues decidiu que queria ser publicitário. E teve esse estalo lendo uma entrevista com Washington Olivetto nas páginas da Playboy. Décadas depois, o destino completou a volta inteira: Rodrigues se tornou o sucessor de Olivetto no comando da WMcCann em 2017 — um dos cargos mais simbólicos da publicidade brasileira. Ao longo da carreira, ele representou o Brasil como jurado de importantes premiações internacionais e hoje é chairman da McCANN Worldgroup. Mas a conexão com a comunicação começou muito antes, nas pilhas de revistas da Editora Abril que o pai distribuía em Santos.Esta entrevista faz parte da série especial que celebra os 75 anos da Abril, reunindo personalidades que ajudaram a construir a história da editora — e foram também moldadas por ela. Na conversa, Hugo revisita a força do papel, fala sobre reconstruções e celebra uma trajetória que passa, inevitavelmente, pelas páginas da casa.
Sua relação com a Abril começa na infância. Como é estar aqui hoje, conhecendo a nova sede? Talvez essa seja uma das entrevistas mais emocionantes da minha vida, porque eu conheço a Abril desde quando nasci. A Abril faz parte da minha vida. Sem ela, provavelmente eu teria seguido outro caminho. Minha mãe é do lar e meu pai começou como office boy na distribuidora Dimare, em Santos.Foi o único emprego da vida dele. E tudo isso era Abril, era rechear as bancas para que as pessoas fossem alimentadas de um grande conteúdo. Meu pai está com Alzheimer hoje, mas sei que ele também vai se emocionar.
As revistas ocupavam bastante espaço na sua casa e na vida, então? O meu divertimento eram as revistas. Eu não tinha acesso a todas elas, mas àquelas que davam encalhe. Eu olhava as revistas empilhadas, que iriam ser distribuídas, e tinha a sensação de estar em um parque de diversão, principalmente porque tinha revistinha para pintar. Eu via o meu pai como o Walt Disney. Eu lembro muito disso.
E a primeira revista que o senhor comprou, o senhor se lembra desse momento? Eu lembro que fui na banca e comprei a Placar novinha, com as notícias frescas. Essa relação de poder comprar revista é muito forte para mim. Hoje, eu assino praticamente todas as publicações: VEJA, Quatro Rodas, Superinteressante, CLAUDIA. Muitas vezes eu compro uma revista, folheio e agradeço ao meu pai e à minha mãe pela educação que eles me deram e por ver beleza em virar as páginas, ler uma reportagem, ler os dados de quem publicou, de quem fotografou.
E essa história se cruza com a história da sua profissão? Eu queria estar próximo desse universo. Com 17 anos, meu pai me disse que era hora de trabalhar. Achei que seria fácil, mas saí pela rua pedindo emprego e não arrumava nada. Até que comecei a vender produtos de limpeza. Um dia, estava com a Playboy na mão – a Playboy tinha um conteúdo absurdamente interessante, profundo, inteligente – e vi uma entrevista do Juca Kfouri com o Washington Olivetto. Me encantei por essa profissão por trás dos bastidores, criando os comerciais, entretendo as pessoas.
Antigamente, a
propaganda era o boca a
boca, aí vieram jornais e
revistas. Depois, o rádio
e a TV. Com as redes
sociais, todo mundo tem
voz. Hoje, esse é o grande
desafio e a beleza.
Foi aí que veio a ideia de ser publicitário? Quando criança, eu sonhei em ser cantor, jogador de futebol e ator. Mas quando li essa possibilidade do entretenimento através da publicidade, através do Washington, contada por um gênio, eu falei “cara, eu vou ser isso aqui”.
E deu certo, não é? Mas como foi esse caminho até aqui? Costumo brincar que trabalhei no alfabeto inteiro da publicidade, de “A a Z”. Já mais velho, inclusive, eu consegui entrar em uma agência da Editora Azul, que era subsidiária da Abril. Mas, a partir daquela entrevista, ao longo da carreira eu entendi que não ia dar para ser o Washington.
Não dá para ser o Washington, mas o senhor foi escolhido para ser o substituto dele, certo? Como foi esse momento? O destino acabou fazendo esse caminho. Eu fui presidente da Publicis, onde fiquei por 18 anos. De lá, fui convidado pelos americanos da Interpublic para suceder o Washington. E talvez tenha sido um dos momentos de maior frio na barriga, porque a responsabilidade de carregar um W na porta é muito grande. Da forma que eu acredito, chegamos ao primeiro lugar do ranking das maiores agências do Brasil
por dois anos consecutivos. Agora estamos no TOP 5. Isso me deixa em paz, de ter representado bem o W da porta da McCann.
O senhor mencionou que quando chegou aqui, lembrou também de alguns prêmios. Como foram esses reconhecimentos? O Brasil foi a maior referência mundial em anúncio. Nenhum outro país era mais importante em qualquer festival de comunicação do mundo. E o Prêmio Abril tinha essa força. O mais interessante é que não foi o primeiro prêmio que mais marcou. Foi um momento em que a Abril comprou a Elemídia e colocou no prêmio essa mistura de conexão entre revista e os painéis digitais que ficavam dentro dos elevadores. Fizemos uma campanha para o banco Citibank que começava na mídia impressa, mas continuava por QR Code. Ganhamos o prêmio máximo.
Essa interconexão multiplataforma tem a cara da comunicação hoje ainda? Quais desafios o senhor enxerga para o jornalismo e para a publicidade atualmente? Antigamente, a propaganda era o boca a boca, aí vieram jornais e revistas. Depois, o rádio e a TV. Com as redes sociais, todo mundo tem voz. Hoje, esse é o grande desafio e a beleza. A outra ponta é essa geração, que veio acelerando tudo. Então, é um quebra-cabeça. É um mar que vai ter que ser navegado dia a dia.
E como o senhor vê os 75 anos e o futuro da Abril? Eu acho que nessa era da dispersão, da falta de foco, completar 75 anos é algo muito significativo. Uma plataforma que começou no papel e que hoje está no digital. É sempre um grande desafio se readequar a novos consumidores que vão chegando. Então, eu tenho que dar parabéns por esses 75 anos e desejar que venha muito mais por aí, mesmo que a gente ainda não entenda muito bem para onde vamos.