Um Natal mais próspero
A redução do número de trabalhadores sem ocupação e o crescimento da produção industrial apontam para o melhor fim de ano desde 2014
A economia brasileira engrenou a segunda marcha. A incerteza política não se dissipou, o que restringe o aumento dos investimentos, mas os números mais recentes mostram que duas das maiores vítimas da recessão ensaiam finalmente uma recuperação consistente, ainda que em ritmo lento e gradual. A indústria e o mercado de trabalho registraram recordes negativos sucessivos nos últimos anos, deixando patente a magnitude da crise que abateu a atividade no país, mas os dias mais sombrios ficaram definitivamente para trás. A inflação sob controle, o que facilita a recomposição do poder de compra da população, e a consequente redução do custo do dinheiro, acompanhando a queda da taxa básica de juros, compõem também esse cenário benigno que faz os analistas prever o melhor Natal em vendas desde 2014.
No último trimestre, 1,1 milhão de vagas de trabalho foram criadas. Dessa maneira, a taxa nacional de desemprego da chamada população economicamente ativa — as pessoas aptas a trabalhar e que procuram alguma ocupação — caiu de 13% para 12,4%. A indústria, por sua vez, cresceu 3,1% no mesmo trimestre, o ritmo mais forte em quatro anos. A expansão se deu de forma disseminada entre as principais categorias de produção, incluindo o estratégico setor de máquinas e equipamentos, o que se traduz em impulso para a retomada dos investimentos. Na taxa que soma o desempenho em doze meses, a produção industrial subiu 0,4% em setembro. É pouco, mas foi o primeiro resultado favorável nessa comparação depois de 39 meses de retração.
Os números positivos devem ser comemorados, embora haja um longo caminho a ser percorrido até que os efeitos negativos da crise prolongada sejam minimamente compensados. Quase 13 milhões de pessoas ainda estão desempregadas no país, o dobro do contingente existente no fim de 2014. Além disso, a recuperação do mercado de trabalho tem sido caracterizada pelo avanço do chamado emprego de menor qualidade: ocupações por conta própria ou aquelas em que a pessoa não tem a carteira de trabalho assinada. Análise semelhante se aplica à indústria. Apesar do crescimento nos nove primeiros meses do ano, o setor conseguiu apenas se aproximar do nível de produção equivalente ao que tinha dois anos atrás. Naquele momento, a economia já estava em retração e sofria os efeitos da crise.
Tudo isso significa que o governo e a sociedade não podem descuidar de reforçar as bases para o crescimento sustentado. Para tanto, é importante que haja a retomada da agenda de votação de reformas como a da Previdência e a tributária no Congresso e que as urnas da eleição presidencial de 2018 não consagrem um aventureiro radical disposto a trocar a segurança das medidas de eficácia comprovada pelas piruetas experimentalistas na política econômica.
De qualquer maneira, os consumidores, que representam a grande força motriz da economia brasileira, já se revelam mais dispostos a abrir a carteira. Alguns setores respondem de forma mais rápida que outros e ajudam a compreender que uma mudança de humor está em curso. Um deles é o varejo. As grandes redes vêm, de maneira consistente, colecionando resultados positivos. Primeiro, imaginou-se que esses resultados fossem fruto dos 40 bilhões de reais despejados na economia pela liberação do FGTS. Vê-se agora que não era só isso. Outro “termômetro” é o setor automobilístico. A venda de veículos em outubro atingiu 196 000 unidades, uma alta de 27% em relação ao mesmo mês do ano passado. As montadoras perceberam a virada na confiança dos compradores e programaram uma série de lançamentos para o fim do ano e o início de 2018.
Os economistas não têm mais dúvida de que o país entrou numa fase de retomada, mas deve-se levar em conta o tamanho do tombo sofrido nos anos anteriores. Ainda serão necessários vários meses de crescimento para recuperar o terreno perdido. A esse respeito, pesa também o cenário eleitoral. Isso porque, apesar da volta da confiança empresarial, muitos investimentos programados só ocorrerão de fato depois das eleições do próximo ano. É um cenário inverso ao que acontece hoje na Argentina, onde a certeza da continuidade das reformas, com o fortalecimento do presidente Mauricio Macri nas eleições legislativas, dá aos investidores a convicção de que elas serão mantidas e até aceleradas. “Entramos em uma fase de reformismo permanente”, repete o presidente argentino. Na semana passada, Macri anunciou um projeto de modernização tributária.
O caótico sistema de cobrança de impostos é justamente um dos pontos em que o Brasil vai pior nas comparações internacionais. Existe um projeto de reforma tributária em discussão no Congresso. O texto promete acabar com a guerra fiscal entre os estados e reduzir a burocracia. O governo, porém, prefere batalhar pela aprovação da reforma previdenciária antes de mexer nesse novo vespeiro de interesses.
Publicado em VEJA de 8 de novembro de 2017, edição nº 2555