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Uma luz na confusão

A maioria dos brasileiros não tem carteira assinada e vive sem a proteção da CLT. Reforma deve incentivar o trabalho formal

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 19h15 - Publicado em 13 jul 2017, 12h54
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  • As senadoras de oposição ocuparam a mesa da presidência do Senado, impediram o início da sessão no horário previsto e até comeram uma quentinha para matar a fome enquanto bloqueavam as deliberações. Foi o último gesto na tentativa de evitar a votação da reforma trabalhista. Eunício Oliveira, presidente do Senado, chegou a mandar que as luzes do plenário fossem apagadas e ameaçou mudar o local da votação. O protesto, na terça-­feira 11, apenas retardou a votação da reforma trabalhista por algumas horas. Ao final, foram 50 votos favoráveis, 26 contrários e uma abstenção. Trata-se da primeira grande mudança nas leis trabalhistas em mais de sete décadas. A regulamentação que rege as contratações formais no Brasil é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943, ainda na era Vargas. A lei fortaleceu direitos da carta constitucional de 1934 e criou novos mecanismos de auxílio, como o limite de jornada, férias anuais e a determinação do salário mínimo. Tais benefícios fundamentais valem até hoje — e continuarão valendo após a aprovação da reforma. Nada muda com relação a isso, apesar da chiadeira segundo a qual a nova lei representa o fim da CLT.

    Protesto – Metalúrgicos em ato contra a lei que acaba com o imposto sindical
    Protesto – Metalúrgicos em ato contra a lei que acaba com o imposto sindical (Edu Guimarães/SMABC/VEJA)

    O intuito do projeto, se ele for bem-su­cedido, é retirar as amarras à geração de empregos formais. Isso porque as leis atuais criaram proteções excepcionais para quem está empregado com carteira assinada, mas, de outro lado, elevaram demasiadamente o custo trabalhista para os empregadores. No fim, apenas uma parcela da mão de obra brasileira se encontra de fato sob a cobertura da atual legislação trabalhista. Dados do IBGE mostram que, dos 91 milhões de brasileiros que trabalham atualmente, 39 milhões não estão protegidos pela CLT. A maior parte dos excluídos é composta de empregados do setor privado sem carteira assinada e de pessoas que trabalham por conta própria. O quadro fica ainda mais dramático quando os 14 milhões de desempregados entram na contabilidade. “Esses números atestam que a CLT, como está posta, não está mais dando certo”, afirma Hélio Zylberstajn, professor de economia da USP. Ele diz que o grande mérito da reforma não é gerar empregos, como o governo está prometendo, mas sim possibilitar que trabalhadores informais também entrem no gu­arda-chuva da CLT. “É um efeito que diminui a rotatividade nos postos de trabalho e aumenta a produtividade no longo prazo”, diz.

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    (VEJA/VEJA)

    Profunda, a reforma altera mais de 100 pontos da legislação trabalhista, mas preserva direitos como férias, 13º salário, seguro-desemprego, salário mínimo, licença-maternidade e aviso prévio. O ponto central é a possibilidade de que acordos entre patrões e empregados tenham mais força do que o que está na lei (desde que não infrinjam os direitos tidos como fundamentais). O objetivo é permitir que tanto o empregador quanto o empregado possam decidir, entre si, pontos do contrato de trabalho. Outras mudanças, como a compensação do banco de horas, a divisão do período de férias e a instituição do trabalho remoto (o home office), buscam somente regulamentar práticas já comuns.

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    Parte da grita contra a reforma vinha dos sindicatos, que temiam perder força nas negociações coletivas e recursos. O projeto prevê o fim da contribuição obrigatória (e isso implica secar uma fonte de 4 bilhões de reais por ano). Muitas das 17 000 organizações trabalhistas brasileiras — especialmente aquelas que dependem exclusivamente do imposto mas contribuem pouco para a vida dos empregados — estariam fadadas a fechar as portas. As que sobrevivessem teriam de mostrar serviço, de fato, para manter o apoio dos trabalhadores. As centrais pressionaram o governo, e Temer acenou com a possibilidade de criar uma fonte alternativa de recursos. É um retrocesso, mas não se sabe se isso realmente será feito — nem como.

    O Ministério Público do Trabalho (MPT) e diversos juízes manifestaram repúdio às novas regras. Os promotores prometem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para atestar a inconstitucionalidade e anular a reforma. A queda de braço é um retrato da cultura de dependência do Judiciário, que tende a dar ganhos de causa aos trabalhadores. Mas a reforma não impede o empregado de questionar o que julgue incorreto. Ela procura apenas criar parâmetros, diminuir brechas e conter a judicialização excessiva. Em mais de 75 anos de história da Justiça do Trabalho no Brasil, quase 90 milhões de processos foram abertos. Em 2016, 3,3 milhões de novas ações passaram pelos tribunais e resultaram no pagamento de 22 bilhões de reais em acordos ou sentenças — o que, por outro lado, também mostra quanto a lei trabalhista é descumprida. Segundo um levantamento da consultoria Economatica, no ano passado 64 empresas brasileiras reservaram um total de 27 bilhões de reais para cobrir passivos trabalhistas e tributários.

    Obviamente, a simples mudança nas leis não garante que essa jabuticaba desaparecerá da noite para o dia. Mas espera-se que tenha sido dado um primeiro passo na modernização das relações trabalhistas, reduzindo o paternalismo anacrônico, combatendo o peleguismo sindical e dando a chance de os atuais excluídos também possuírem direitos. Feitas as contas, o Brasil saiu ganhando.

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    Com reportagem de Felipe Machado

    Publicado em VEJA de 19 de julho de 2017, edição nº 2539

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