Quando as investigações da Operação Sanguessuga revelaram, em 2006, a participação de parlamentares na compra superfaturada de ambulâncias, o então presidente do PSDB, senador Tasso Jereissati, não esperou nem as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito para emitir uma nota em que dizia que expulsaria os deputados da sigla envolvidos no escândalo. A iniciativa não prosperou, mas foi fundamental para que um dos acusados se desfiliasse do partido. Bons tempos.
Doze anos depois da Sanguessuga, o presidente do PSDB mudou e o partido também. Diante da decisão, na semana passada, do Supremo Tribunal Federal (STF) de transformar o senador Aécio Neves em réu por corrupção passiva e obstrução da Justiça, Geraldo Alckmin limitou-se a pedir que ele não se candidate a nada. O ex-governador de São Paulo e atual presidente da sigla nem sequer chegou a discutir a hipótese de afastamento do correligionário. Nenhum tucano, exatamente como reagem os petistas quando seus correligionários são flagrados na lama, veio a público manifestar desconforto moral em dividir bancada com um senador processado no STF por corrupção.
A inação do PSDB não é exceção. Ao contrário. Conforme a Lava-Jato foi evoluindo, virou regra a omissão dos partidos diante de quadros envolvidos em escândalos — e mesmo de parlamentares em relação a colegas do campo adversário pegos com a boca na botija. Com 53 políticos investigados pela Lava-Jato no STF, há apenas um pedido de cassação de mandato referente à operação hoje em análise no Conselho de Ética da Câmara. Repetindo: apenas um. Desde 2014, quando teve início a maior operação de combate à corrupção do país, só oito pedidos do gênero foram protocolados. Trata-se de uma situação bem diferente da que se viu no escândalo do mensalão (2005) e dos sanguessugas, em que as CPIs criadas na Câmara e no Senado terminaram com relatórios que pediram a cassação de quase uma centena de parlamentares (veja os gráficos abaixo).
Na Lava-Jato, nem ao menos uma CPI específica prosperou. A da Petrobras limitou-se a investigar acusações de corrupção na estatal, mas o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) foi o único ouvido entre os parlamentares suspeitos de crimes. No fim, os responsáveis encerraram os trabalhos sugerindo o indiciamento de um só nome — obviamente, não de um colega, mas do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. A CPI da JBS conseguiu ser ainda menos prolífica. Abriu e fechou no prazo recorde de três meses. Na conclusão, contentou-se em pedir uma investigação sobre o investigador, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. E nenhuma palavra sobre os políticos.
Até agora, as representações contra congressistas envolvidos na Lava-Jato resultaram em três cassações. A do ex-deputado petista André Vargas foi a primeira. Seu colega Luiz Argôlo (SD) também teve aprovado um parecer favorável à cassação, mas escapou graças a manobras de aliados. Ambos foram parar no Conselho de Ética da Câmara logo no início da operação. Dois anos mais tarde, foram cassados o ex-senador Delcídio do Amaral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Parecia que, mesmo aos trancos e barrancos, o Congresso daria uma resposta.
Em março de 2017 tudo mudou. Veio a revelação da delação dos 77 executivos da Odebrecht — um divisor de águas na história da Lava-Jato. Ao acusar de corrupção e delitos congêneres 415 políticos de 26 partidos, a “delação do fim do mundo” acabou por esfriar de vez o já tênue impulso de justiça dos congressistas. Das oito representações relacionadas à Lava-Jato que deram entrada nos Conselhos de Ética, cinco ocorreram antes do tsunami da Odebrecht. Após as confissões em escala industrial da empreiteira, dois novos pedidos foram protocolados no órgão do Senado — um pelo PSOL e pela Rede e outro pelo PT, ambos contra o senador Aécio Neves, flagrado achacando o empresário Joesley Batista. Os dois pedidos terminaram arquivados. Daí para a frente, a comissão criada para investigar desvios de comportamento dos legisladores mergulhou num quase completo silêncio. “Os partidos perceberam que a dimensão da Lava-Jato era maior do que podiam esperar. Por isso, recorreram à autoproteção”, afirma Michael Mohallem, coordenador do Centro de Justiça e Sociedade da FGV-RJ.
Os três cassados
A atual composição do Conselho de Ética da Câmara foi definida pelas siglas justamente em meio às deliberações do ministro Luiz Edson Fachin sobre quais políticos delatados por executivos da Odebrecht deveriam ser investigados. O presidente do órgão é o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). Já o Conselho de Ética do Senado é presidido pela sexta vez por João Alberto Souza (MDB-MA), ligado ao ex-presidente José Sarney. A única representação relacionada à Lava-Jato atualmente em curso no Conselho de Ética da Câmara pede a cassação do mandato do deputado Lúcio Vieira Lima (MDB-BA), em razão dos sinais do seu envolvimento com o bunker do irmão, o ex-ministro Geddel, que armazenava 51 milhões de reais em um apartamento em Salvador. O órgão aprovou a instauração do processo, mas ainda não há um parecer.
Na seara tucana, há mais por vir. Na terça-feira 24, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a condenação do ex-governador Eduardo Azeredo a vinte anos e um mês de prisão por peculato e lavagem de dinheiro. Azeredo é acusado de ser o principal beneficiário do chamado “mensalão mineiro”. O esquema, segundo o Ministério Público, desviou ao menos 3,5 milhões de reais, em valores da época, de três estatais mineiras para abastecer a frustrada tentativa de Azeredo se reeleger ao Palácio da Liberdade em 1998. Na ocasião, ele perdeu para Itamar Franco. Por 3 votos a 2, os desembargadores rejeitaram os embargos infringentes apresentados pela defesa de Azeredo para reverter a sentença. Assim que o tribunal analisar os embargos declaratórios sobre o novo acórdão — o último recurso que ainda resta ao réu na segunda instância —, o ex-presidente do PSDB poderá ser o primeiro tucano a ir para a cadeia por corrupção. Até agora, para não fugir à nova regra, ninguém no ninho falou em expulsão.
Publicado em VEJA de 2 de maio de 2018, edição nº 2580