“Como as demais épocas da vida, quem sabe numa medida mais acentuada, também a juventude é uma construção social e cultural”, observam o italiano Giovanni Levi e o francês Jean-Claude Schmitt na introdução de História dos Jovens (1994-1995), rigoroso estudo sobre o tema organizado por ambos. A assertiva talvez soe intrigante: as fases da existência humana não são delimitadas pela idade? A rigor, as faixas etárias funcionam apenas como ponto de partida da questão. Tome-se a infância, por exemplo. No clássico História Social da Criança e da Família (1960), outro pesquisador francês, Philipe Ariès, sublinha: “Na sociedade medieval, a consciência da particularidade infantil não existia”. De acordo com Ariès, assim que o infante — do latim infans, o que não fala — adquiria “condições de viver sem a solicitude de sua mãe ou de sua ama, ingressava na sociedade dos adultos e não se distinguia mais deles”. Quer dizer: a partir de uma idade ainda muito recuada, a criança passava a ser um adulto em miniatura.
No caso da juventude, a “medida mais acentuada” de seu caráter sociocultural estaria baseada no fato de que, segundo Levi e Schmitt, “os jovens são o primeiro sujeito ativo na história”. Os historiadores explicam que “desde a Antiguidade, diferentemente das crianças — os grandes mudos da história —, alguns jovens falaram de si mesmos e escreveram sobre sua condição”. Mas, para além dessa característica, chama atenção a percepção algo ambígua que atinge a juventude: ao mesmo tempo em que os jovens são encarados como representantes da “liberdade”, transformam-se em alvo de tentativas de “enquadramento”, movidas “pelos defensores das convenções ou da ordem”, como notam Levi e Schmitt. Essa resistência conservadora, que toma o novo como sinônimo de distúrbio, não tem conseguido, no entanto, afastar a juventude de um de seus papéis primordiais — ser o resquício de esperança de que uma sociedade possa mudar. E para melhor.
Foi com base nessa perspectiva que VEJA elaborou a presente reportagem especial. Nela são perfilados vinte brasileiros — alguns célebres, vários desconhecidos — que completam 20 anos em 2020 e representam, em suas respectivas áreas, um avanço que só deverá fazer bem ao país. Ciência, ambiente, mídias digitais: são diversos os campos de atuação dos personagens, nascidos entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2000. O que os une, fora o extraordinário prodígio, é a disposição com a qual exercem suas atividades, vislumbrando nelas maneiras de agir em benefício do outro, do coletivo — do Brasil.
Na Retrospectiva do ano de 2000, VEJA destacou que os jovens haviam dominado a cena. Das “batalhas virtuais às guerras reais”, pontuou a revista, eles tinham sido “os mais ativos agentes de um período em ebulição” — às vésperas do terceiro milênio. Àquela altura, a média de idade no planeta era de 26 anos, e, entre os brasileiros, 24. Hoje, esses números estão em torno de 30 e 32 anos, respectivamente. Sim, a população mundial está envelhecendo — pela primeira vez o total de idosos superou o de crianças com até 5 anos. “O que vai acontecer quando a biotecnologia nos permitir aprimorar os humanos e estender a duração da vida?”, indaga o historiador israelense Yuval Noah Harari em 21 Lições para o Século 21 (2018). Chegará o dia em que não existirá mais a “particularidade juvenil”, tal como em certa fase histórica inexistiu a da infância? É improvável — a juventude não é “uma construção social e cultural”?
P.S.: duas décadas atrás, 14 milhões de brasileiros tinham acesso à internet; agora, são 175,2 milhões. Em média, eles ficavam oito horas conectados por mês; na atualidade, passam mais de nove horas on-line diariamente, três horas e meia delas em redes sociais, incluindo o tempo que usam para postar selfies — termo que não existia em 2000. Eis um traço incontornável das novas gerações. Diante disso, VEJA decidiu que os perfis a seguir seriam ilustrados por esses autorretratos da era digital, que parecem clamar ao resto deste século XXI, ao futuro: “Ei, vocês, olhem para nós, que completamos 20 anos em 2020”.
Publicado em VEJA de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668