2,4 milhões de brasileiros têm autismo: epidemia, moda ou maior acesso à informação?
Censo do IBGE indica maior prevalência no sexo masculino. Com o boom do tema nas redes e consultórios, especialista discute aumento no diagnóstico

Acaba de ser publicado o recorte do Censo Demográfico de 2022 sobre a população brasileira que convive com o autismo. Segundo a análise do IBGE, existem 2,4 milhões de pessoas com diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) no país – o que equivale a 1,2% da população.
Os homens representam a maioria desse público (1,4 milhão ante 1 milhão de mulheres), que recebeu um diagnóstico de algum profissional de saúde. Por faixa etária, a maior prevalência concentrou-se entre crianças de 5 a 9 anos.
A impressão que se tem é que há um número crescente de diagnósticos de autismo, e isso não se restringe ao Brasil. Os índices nos Estados Unidos aumentaram enormemente, passando de 1 a cada 150 crianças em 2022 para 1 a cada 31 em 2025.
Nesse cenário, também temos crianças e adolescentes com comportamentos fora da curva, que no passado sequer seriam encaminhados a profissionais, mas que hoje são diagnosticados com TEA.
Pensando no caso dos adultos, muitas pessoas que passaram toda a vida sem qualquer diagnóstico ou ainda eram classificadas como depressivas ou ansiosas agora são reconhecidas tardiamente como parte do espectro autista.
Mas será que esse aumento de casos significa que estamos “diagnosticando todo mundo” como se tem dito?
Inicialmente, é preciso destacar que não há questionamentos sobre o diagnóstico dos casos de TEA nível 2 e nível 3, que são aqueles que apresentam um maior comprometimento, com indivíduos muitas vezes não-verbais ou minimamente verbais, com prejuízos significativos e evidentes.
O questionamento se concentra na faixa do autismo nível 1, formada por indivíduos sem prejuízo de linguagem e com inteligência preservada, muitos dos quais receberam um diagnóstico tardio. Justamente naqueles em que o TEA fica praticamente invisível.
Para entender se há ou não um exagero de diagnósticos, temos que dar um passo atrás para refletir sobre o que é um diagnóstico.
Diferentemente do que comumente se pensa, um diagnóstico (especialmente quando falamos em transtornos mentais) não é uma afirmação científica classificatória sobre o indivíduo; é um documento, de natureza clínica, produzido por profissionais especializados, acreditados pelo Estado, que tem por objetivo afirmar se um indivíduo necessita de apoio.
Então, o debate deve partir da pergunta “existem razões para acreditar que esse público tem prejuízos tão expressivos que justificam um diagnóstico?”. A resposta é alcançada olhando para as pesquisas que se dedicam especificamente ao TEA nível 1.
Os estudos mostram que no autismo nível 1, os índices de ideação suicida são muito superiores aos da população típica, as tentativas são mais violentas e mais trágicas e as mortes por suicídio, de 4 a 9 vezes superiores à média.
Os índices de depressão e ansiedade são enormemente superiores, enquanto os de empregabilidade, dramaticamente inferiores, assim como os de qualidade de vida e inclusive de expectativa de vida.
Se tudo isso é verdade, então isso implica que não há uma extrapolação diagnóstica para uma faixa que não precisa dela. O que há é um crescente reconhecimento de uma faixa mais ampla que no passado não recebia nenhuma ajuda e que agora ao menos tem um diagnóstico, a partir do qual podemos questionar e lutar por mais políticas públicas.
É verdade que a sociedade hoje confere mais diagnósticos de transtornos como o autismo do que o fazia no passado, mas todos os dados apontam que essa oferta não configura um quadro de “hiperdiagnóstico”, e sim que, de modo geral, temos agora mais acesso à informação e aprofissionais qualificados.
Com esses diagnósticos, estamos estendendo a mão para uma faixa mais ampla da sociedade que também precisa de apoio!
* Lucelmo Lacerda é doutor em educação, pesquisador, ativista e autor do livro Crítica à pseudociência em educação especial: trilhas de uma educação inclusiva baseada em evidências