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“50 mil doentes têm direito à quimio oral mas não recebem”, diz médico

Em entrevista, oncologista Fernando Maluf explica o projeto de lei aprovado pelo Senado que mudará esse dramático cenário

Por Mariana Rosário Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 jun 2020, 13h57 - Publicado em 13 jun 2020, 13h32
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  • Um projeto recém-aprovado no Senado e que agora segue para a Câmara ajudará no tratamento de 50.000 pacientes com câncer no país, estima o oncologista Fernando Maluf, do Hospital Albert Einstein e da Beneficência Portuguesa. O especialista, um dos mais respeitados no Brasil , é fundador do Instituto Vencer o Câncer, responsável por desenvolver em 2018 um projeto de lei que defende o fim da dupla aprovação, por parte do governo, para remédios de quimioterapia oral a serem custeados por convênios médicos. Maluf falou a VEJA sobre a importância desses medicamentos para quem passa por tratamentos de tumores e como a pandemia da Covid-19 altera os cuidados e diagnósticos para casos de câncer em todo o mundo.

    Por que os convênios levam mais tempo para aprovar a quimioterapia oral em relação aos métodos intravenosos?

    Antes é preciso entender uma coisa. Quando uma droga é desenvolvida, empresa farmacêutica submete o estudo para à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o orgão técnico responsável pela aprovação desse novo produto.  Logo depois disso, essa droga é precificada para que o SUS, convênio ou o paciente pague para fazer seu uso. No caso dos métodos intravenosos para tratamento de câncer, assim que a Anvisa faz a liberação, eles ficam disponíveis para o uso de pacientes que tenham convênio médico. Para as drogas orais há um mecanismo de segunda aprovação feita pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que pode levar até dois anos para ocorrer. Ou seja, para muitos doentes, não dá mais tempo para receber o medicamento oral. Meu projeto de lei retira a necessidade de existir essa segunda lista de aprovação. Entendemos que se Anvisa é a responsável pela liberação de medicamentos, não existe sentido para qualquer  outra reaprovação, criando mais burocracia.  Essa segunda etapa não é baseada em nenhum parâmetro médico, biológico, nem menos humanitário. Não há sentido para que critérios diferentes sejam usados para aprovação de drogas que tenham a mesma finalidade: curar o câncer.

    Se aprovado, qual o real impacto que ele causará nos tratamentos de câncer realizados em todo o Brasil? 

    O impacto será sentido por cerca de 50.000 brasileiros que têm direito a medicação, mas não conseguem recebê-la por falta de aprovação do convênio. São milhares de vidas perdidas todos os anos por esse motivo. Os pacientes sofrem mais e a sobrevida de muitos tem uma drástica redução, além do aumento de sintomas. Outro ponto importante é que a cada dez remédios para o câncer existentes, sete são orais e, desse grupo, cerca de 80%  têm mecanismos de ação únicos, que não existem em outras versões. São tratamentos que não podem ser substituídos e mantém o paciente no conforto do seu lar. Por meio de telemedicina é possível monitorá-los com toda a segurança necessária. Exitem quimioterapias orais para todos os tipos de câncer e eles podem substituir os medicamentos endovenosos, retirando a necessidade de locomoção até o hospital. Diante da pandemia que estamos vivendo, é ainda mais importante a aprovação desse projeto, para que essas pessoas possam manter o isolamento e para que os  hospitais possam otimizar esforços humanos e de estrutura física para o atendimento à Covid-19.  Se aprovado esse projeto será a correção de um erro grave que ceifa milhares de vida por ano. Será o maior avanço para o tratamento oncológico nas últimas duas décadas. 

    Em tempos de pandemia, a saúde de um paciente com câncer se torna mais frágil? 

    Alguns grupos de pessoas diagnosticadas com tumores são, sim, são mais vulneráveis. O primeiro são os que precisam de tratamentos medicamentosos e em casos como a quimioterapia. A maioria das quimioterapias são endovenosas e diminuem a imunidade. Por isso, facilitam as infecções de bactérias, fungos e vírus. O segundo grupo são os pacientes com doenças hematológicas, leucemia, linfoma e mieloma, que afetam o sistema imune aumentando as chances e riscos de infecções múltiplas, incluindo a Covid-19. O terceiro são pacientes com doença muito avançada e muito debilitados pelo câncer. Esse são os três grupos mais afetados. Por outro lado, quem está em processo de remissão da doença ou está fazendo algum tratamento que não influencia na imunidade — como drogas orais hormonais, por exemplo, para câncer de próstata ou de mama—  tem o mesmo risco de alguém da mesma idade sem o diagnóstico de câncer.

    Como a pandemia da Covid-19 influenciou os tratamentos de câncer no Brasil?

    Com isolamento social, muitos pacientes ficaram com medo de ir ao hospital pararam seu tratamento. Muitos acreditaram que o risco da Covid-19 é maior que a gravidade do seu próprio câncer. Há ainda o problema nos novos diagnósticos, muitas pessoas supostamente saudáveis vão completar mais de dois anos sem realizar exames de rastreamento para câncer de mama, como mamografia e ultrassom, câncer de colo de útero com papanicolau, câncer de próstata com PSA e toque retal. Esses fatores combinados, e mais a falta de estrutura hospitalar para realizar os tratamentos adequados nesse momento, fará com que a mortalidade por câncer neste ano cresça entre 20% e 60% em todo o mundo. Será um impacto gigantesco. 

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