Nasci com albinismo oculocutâneo, uma condição que causa o déficit total ou parcial de melanina, aquele pigmento que dá cor aos olhos e à pele e nos protege da exposição aos raios solares. O que me diferencia de uma pessoa pigmentada é simplesmente a necessidade de ter de tomar cuidados específicos com o corpo. Não somos doentes, mesmo que muitos nos vejam assim. Infelizmente, a inserção do albinismo na Classificação Internacional de Doenças (CID) acaba reforçando estigmas e trazendo uma percepção errônea. O que a gente precisa é de inclusão social, acessibilidade e políticas de apoio que reconheçam nossas demandas e limitações. Muitos de nós, por exemplo, precisamos de ambientes adaptados para baixa visão e de uma proteção constante contra o Sol.
Foi por isso que passei a integrar a Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia (Apalba), o Conselho Estadual de Saúde da Bahia e o Coletivo Nacional das Pessoas com Albinismo. Queremos que a Organização das Nações Unidas (ONU) enquadre o albinismo na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, no artigo 1º, classificando a condição como um impedimento de longo prazo que, junto às barreiras existentes, bloqueia o exercício pleno da cidadania. A deficiência está com você, ela nasce com você, vai morrer com você e, normalmente, não tem cura. Ela faz parte da nossa vida.
Como muitas outras pessoas que vivem com deficiência, somos invisibilizados pelo Estado. O IBGE nunca sequer quantificou os indivíduos com albinismo no país. Sabemos quantos carros e geladeiras existem, mas não quantos de nós existem. E olha que fazemos parte de toda a população, estando presentes entre raças, etnias e faixas etárias diversas. Nenhum governo nunca se preocupou com isso, ainda que seja uma questão de Estado. Em 2022, foi publicada uma primeira estimativa, indicando que somos 21 000 brasileiros com albinismo, mas esse é um número impreciso e subestimado.
Por isso, a gente luta para conscientizar tanto quem tem como quem não tem albinismo. Gosto de pensar que é uma cadeia de cuidados. Não tem outra forma de prevenir as sequelas da condição. Eu tenho sequelas porque não tive orientação lá atrás. Me expus ao Sol enquanto pude, não queria ter uma vida isolada, me esconder do mundo. Você quer ir à praia, quer se divertir. Mas, sem o autocuidado e a proteção da pele, adoecemos. Pessoas com albinismo morrem mais de câncer de pele, e isso é inaceitável.
As sequelas são cruéis, assim como as pessoas. Crescemos numa sociedade que inferioriza as minorias. Muitos se assustam com as pessoas com albinismo, não querem compartilhar espaços, se sentar ao lado delas, olham torto na rua. Já recebemos depoimentos de pessoas apedrejadas na Bahia. É preciso esclarecer que somos seres humanos plenamente capazes, que podem estudar e trabalhar. O que falta é oportunidade. Não é incomum ver cidadãos que não conseguem concluir os estudos, seja por bullying ou exclusão em sala de aula. Como consequência, não se qualificam e têm de assumir trabalhos inadequados, virando mão de obra debaixo do Sol.
É fundamental mudar essa realidade. A Apalba começou esse debate em 2001. E da sua luta resultou a criação da Associação Nacional, bem como, em 2023, uma grande vitória com a aprovação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas com Albinismo pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS). Agora estamos na fase de discutir a criação de uma linha de cuidado integral à saúde das pessoas com albinismo no SUS. Se conseguirmos, o Brasil será pioneiro no cuidado à saúde desse grupo populacional. Hoje, quando a pessoa com albinismo chega ao serviço público, já está com a saúde comprometida, foi mutilada por cirurgias. Gasta-se muito com procedimentos complexos para a remoção de um câncer, mas nenhum centavo para fornecer protetor solar a quem vive em maior vulnerabilidade. Ninguém morre de albinismo, a gente morre pela negligência do Estado.
Joselito Pereira da Luz em depoimento a Ligia Moraes
Publicado em VEJA de 23 de agosto de 2024, edição nº 2907