A um passo do perigo: pré-diabetes ganha o centro das atenções entre especialistas
Condição fronteiriça acende alerta devido a suas reais ameaças ao organismo

Uma linha tênue separa os níveis normais de açúcar no sangue dos índices que indicam a presença de diabetes, doença que afeta 589 milhões de pessoas ao redor do globo. Em uma estreita faixa de glicose já elevada, está o pré-diabetes, um conceito estabelecido em 1979 como um marcador de atenção, que agora é alvo de um conjunto de estudos mirando seus impactos no corpo e as novas táticas para evitar sua conversão no problema de saúde por trás de infarto, cegueira e amputações. Em resumo, não se trata de uma pré-doença. E, por isso, o cuidado individualizado, que pode envolver inclusive a prescrição de remédios, tornou-se demanda urgente. Diz respeito, só no Brasil, a cerca de 50 milhões de pessoas a um passo do diabetes e de outros perigos.
O assunto esteve no centro das discussões da última reunião da Associação Americana de Diabetes (ADA, na sigla em inglês), realizada em Chicago. No encontro, foram debatidas estratégias de controle que envolvem mudanças no estilo de vida, medicamentos e até o engajamento de toda a família. O rastreio do diabetes tipo 2 — aquele mais comum e associado a maus hábitos, ao ganho de peso e ao envelhecimento — já está incrustado no check-up periódico há décadas. O problema é que descompassos nos níveis de açúcar no sangue, medidos por exames como a glicemia de jejum e a hemoglobina glicada, podem dar as caras antes de se cruzar a linha do diagnóstico em si (veja o gráfico). O pré-diabetes, mais que um alerta, sinaliza que um distúrbio silencioso e perigoso está se instalando. As pesquisas mostram que, em um prazo de cinco anos, ele pode se enraizar e se transformar em diabetes, o que exigirá monitoramento rígido e tratamento medicamentoso. “O pré-diabetes já faz parte da doença”, ressalta o endocrinologista João Salles, presidente eleito da Sociedade Brasileira de Diabetes. Não à toa, análises apontam que, mesmo sem passar a fronteira, indivíduos com a condição correm maior risco cardíaco.
No congresso americano, martelou-se que estamos diante de um problema de saúde pública. O Brasil ocupa a sexta posição no ranking mundial de pessoas com diabetes, com 16 milhões de casos estimados, mas esse número chega a quase o triplo quando se computam cidadãos com pré-diabetes. Felizmente, há formas de brecar o desgoverno glicêmico e seu rastro de estragos. Além do binômio reeducação alimentar e exercícios físicos, a aposta entre os experts reside em medicações. Hoje drogas como a metformina já são receitadas para impedir o progresso do pré-diabetes. Mas o futuro pode nos reservar novas e mais eficientes moléculas. Um dos trabalhos promissores apresentados em Chicago testou a combinação da conhecida semaglutida do Ozempic com outra substância na mesma caneta. Em estudo com 3 417 adultos com obesidade e sem diabetes, a medicação batizada de CagriSema fez com que os índices de glicose no sangue despencassem até 87% nos exames dos participantes com pré-diabetes. Isso significa que os níveis foram revertidos para a zona normal. “O tratamento ainda foi associado a melhoras substanciais na pressão arterial, no colesterol e na circunferência abdominal”, disse Timothy Garvey, professor da Universidade do Alabama, nos EUA. Um positivo efeito dominó.

Mas a preocupação com fatores que levam ao pré-diabetes e ao diabetes em si deveria começar mais cedo. De preferência, antes mesmo do nascimento. Nas sessões científicas da ADA, defendeu-se que os cuidados com a alimentação desregrada, o sedentarismo e os exames de glicemia alterados devem integrar o próprio planejamento familiar, sendo relevantes sobretudo durante a gravidez. O disparo de açúcar no sangue, aliás, é uma questão a ser enfrentada em família. A ideia é que uma gestante pode abrir portas para hábitos saudáveis em razão do bebê, mas que isso deve se espraiar para todos ao redor dela — e se manter após o parto. “As recomendações que conhecemos são eficazes, mas não estão funcionando, porque as taxas de diabetes estão aumentando. Isso nos força a olhar para fora do indivíduo”, disse Aliria Rascón, professora da Universidade do Estado do Arizona. Para a especialista, não basta focar o paciente, é preciso empoderar os lares e a sociedade e mudar o ambiente ao redor para impedir que a pandemia de pré-diabetes siga em frente. Do contrário, a estrada para o desastre permanecerá livre.
Publicado em VEJA de 4 de julho de 2025, edição nº 2951