Acesso à Cannabis medicinal será ampliado
Em reunião com a indústria, Anvisa sinaliza que vai aumentar as vias de administração do produto
O Brasil teve – e ainda tem – muita dificuldade em lidar com a Cannabis medicinal, principalmente por uma questão de preconceitos. Tanto é que mesmo com um comércio já estabelecido há pelo menos uma década, ainda não existe lei nacional que regule o comércio dos produtos derivados da planta, nem muito menos o cultivo para esse fim. Desde o início da liberação dessa terapia, coube à Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) colocar ordem no setor, determinando as regras no país. Por isso, no lugar de lei, o que existe são regulações, entre elas, a mais importante é a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 327, publicada no fim do 2019, que permite a venda do extrato de Cannabis (que contém predominantemente Canabidiol, derivado da planta sem efeito psicoativo), nas farmácias brasileiras, pela primeira vez na história do país.
Essa regulação está sob revisão e causa uma série de discussões. A 327 deve mudar em 2024, o que pode afetar diretamente a indústria farmacêutica e a vida dos pacientes. Na semana passada, durante uma das palestras do primeiro Fórum da Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides (BRCann), um dos representantes da Anvisa, João Paulo Perfeito, deu a entender que poderá haver ampliação das vias de administração dos produtos medicinais à base de Cannabis, que hoje se restringem ao extrato e ao óleo medicinal. A maior variedade e o consequente aumento da concorrência devem puxar os preços para baixo, aumentando o acesso à Cannabis.
A ampliação é uma reivindicação do setor farmacêutico, interessado em se equiparar ao mercado de importados, que oferece produtos ainda não permitidos por aqui. “O coração desta revisão é o melhoramento da jornada do paciente”, diz Bruna Rocha, diretora executiva da BRCann. “Evidentemente, o trâmite desta revisão ainda é bastante longo, em vista do estágio em que estamos na Avaliação de Impacto Regulatório (AIR) e a consulta pública relacionada, que ainda virá pelo caminho, mas muito esforço tem sido colocado nesta direção.”
Atualmente, nas farmácias nacionais, há dois tipos de CBD, o “isolado” (sem os demais canabinoides da planta) e o popularmente chamado de “full expectrum”, que tem 0,2% de THC (Tetrahidrocanabidiol, substância da planta com efeito psicoativo). Vale destacar que nessa quantidade, a substância potencializa o efeito do CBD, mas não dá nenhum “barato”. Em geral, entre os produtos nas farmácias, mudam as concentrações, os tipos de óleos usados para dissolver os canabinoides e o sabor – natural ou favorizado. Ou seja, é quase tudo variação do mesmo tema. O setor ainda pede – e acha que será atendido – na reedição do texto final, para que seja mais claro e não dê margens interpretações. Abaixo a entrevista as impressões de Bruna, representante da BRCann, sobre as mudanças que estão por vir .
Quais são as reivindicações da indústria no que se refere ao aumento de produtos?
A indústria busca, primordialmente, uma expansão significativa na variedade de produtos autorizados, vislumbrando oportunidades de inovação e diversificação, até mesmo em prol da concorrência para com os produtos colocados no mercado brasileiro via RDC 660 (que permite a importação). A demanda passa por uma abordagem flexível, que permita a inclusão de novas categorias, impulsionando o desenvolvimento do setor de forma abrangente e economicamente sustentável.
Essas medidas irão atrair os brasileiros para o mercado local, abalando de alguma forma a importação?
A expectativa é que tais medidas possam catalisar o interesse dos brasileiros no mercado local de produtos à base de Cannabis, promovendo um ambiente propício para o crescimento interno da indústria, além da modulação de preço, promovido pela concorrência. Isso também pode impactar, em certa medida, a dinâmica da importação, uma vez que a diversificação e ampliação do portfólio nacional devem reduzir a dependência de produtos estrangeiros, que não estão sujeitos a qualquer crivo regulatório da Anvisa.
As mudanças anunciadas mudam a vida do paciente? Se sim, exatamente como?
Sim, as mudanças anunciadas têm o potencial de gerar um impacto profundamente positivo na vida dos pacientes. A ampliação do leque de produtos autorizados na RDC 327 não apenas implica em uma maior diversidade terapêutica, mas representa a esperança de acesso mais ágil e seguro a tratamentos específicos, alinhados às necessidades individuais. A revisão do prazo de validade das autorizações sanitárias, por sua vez, emerge como uma iniciativa crucial para assegurar a continuidade do acesso a esses produtos essenciais. Em síntese, as alterações propostas são um testemunho do compromisso do agente regulador e do agente regulado em aprimorar a experiência e a qualidade de vida dos pacientes que dependem, vitalmente, de produtos relacionados à Cannabis.