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“Bolsonaro é impetuoso”, diz cirurgião que vai operar o presidente

Antonio Luiz Macedo fala da próxima operação e relembra os bastidores do socorro

Por Adriana Dias Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h53 - Publicado em 6 set 2019, 06h30

A operação para correção de uma hérnia incisional à qual Bolsonaro será submetido terá o comando do cirurgião Antonio Luiz Macedo, de 67 anos. O problema é resultado do natural enfraquecimento da parede abdominal depois de sucessivos procedimentos invasivos.

Sem a intervenção, o presidente teria desconfortos frequentes. Macedo conversou com VEJA em duas oportunidades — antes e depois da decisão de levar o presidente novamente ao bisturi. Prudente, achava melhor que ele não tivesse de ser operado, apesar da aparente simplicidade do procedimento — os exames realizados em 1º de setembro, contudo, impuseram a intervenção. Uma das maiores referências em sua especialidade, o médico é conhecido pelo estilo quase obsessivo (comanda quarenta cirurgias por mês) e por lidar com casos de alta complexidade.

Ele concedeu a entrevista a seguir em seu novo endereço de trabalho, o hospital Vila Nova Star, em São Paulo, do gigante Rede D’Or, onde Bolsonaro será operado. Seu passe vale ouro. Há dois meses, Macedo deixou os quadros do Hospital Albert Einstein, onde trabalhou durante quatro décadas, com o passe comprado como o de um jogador de futebol.

O que causou a hérnia do presidente? As três cirurgias anteriores. Bolsonaro ficou com uma área um pouco enfraquecida na barriga. Ele tem uma incisão muito grande na região, de mais de 30 centímetros. O corte é bem fechado, mas limitado em termos de resistência. A primeira operação, ainda por cima, foi feita de emergência. Uma pressão externa, uma atividade de impacto, pode contribuir para a formação de hérnias. Bolsonaro é impetuoso. Em fevereiro, logo depois de tirar a bolsa de colostomia, ele me perguntou se podia mergulhar. Em julho, se podia pular de paraquedas. Eu o proibi em ambas as ocasiões.

E, no entanto, há poucas semanas, Bolsonaro desfilou montado em um cavalo quarto de milha, galopando, durante evento em Barretos, no interior de São Paulo. Ele poderia ter feito isso? Ele não me perguntou se podia andar a cavalo, como fez agora, em Barretos. É claro que eu diria não.

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Como o presidente é como paciente? Corajoso e doce. Ele tem aquele jeitão meio brincalhão, mas é educadíssimo. Dizem que é agressivo. Nunca vi isso. No hospital, todos o adoram. Tratou todo mundo bem. Os profissionais da higiene adoravam cuidar dele. Chegavam a trocar o turno do fim de semana para lidar com ele. É extremamente obediente.

Há relatos de ele ter tido depressão durante o tratamento. Procedem? Veja bem, ele quase morreu. Mas foi uma depressão que não interferiu na evolução de nada.

“O presidente já me consultou para saber se podia mergulhar e pular de paraquedas. Eu proibi ambas as atividades. Ele não me perguntou se podia andar a cavalo, como fez agora, em Barretos. É claro que eu diria não”

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Há quem, ainda hoje, alimente teorias conspiratórias dizendo que o atentado a faca em Juiz de Fora foi uma farsa — e que os procedimentos cirúrgicos foram destinados a um tratamento de câncer. O que o senhor tem a declarar sobre isso? Políticos importantes chegaram a levantar essa ideia em entrevistas. Vou acabar com qualquer dúvida. Não havia tumor nenhum dentro da barriga do presidente. O que tinha era trajeto de facada. A faca entrou na parede abdominal, furou o intestino e vasos sanguíneos e parou do lado da veia cava. Se o assassino tivesse virado a faca para o lado esquerdo por mais 1 centímetro, não teria sido possível operá-lo. Rasgaria a veia cava inferior. As condições dele já eram muito desfavoráveis, o hospital em que foi atendido de emergência tinha poucos recursos e é difícil controlar o sangramento da veia cava inferior. Ele morreria na mesa cirúrgica.

O senhor declarou ter votado em Bolsonaro nas eleições de 2018. Ele vai bem como presidente? Não entendo de política a fundo. Mas acho que é pouco tempo para ele fazer tudo o que tem de fazer.

Nos bastidores médicos se diz que o então candidato, em setembro do ano passado, foi para o hospital Albert Einstein, e não para o Sírio-­Libanês, porque o Einstein enviou um cirurgião a Juiz de Fora, e o Sírio, dois clínicos — e a emergência depois do atentado exigia cirurgiões. O que aconteceu de fato? O Einstein não mandou ninguém. Fui porque o Eduardo Bolsonaro me chamou. Antes de chegar a mim, ele ligou para vários colegas meus. Foram eles que me recomendaram. O transporte foi providenciado pelo Meyer Nigri (dono da construtora Tecnisa, apoiador da campanha de Bolsonaro). Eu fui de helicóptero até Jundiaí, e de lá até Juiz de Fora de teco-teco. Não sei como ele conseguiu descer em Juiz de Fora. Não tinha luz no aeroporto e estava chovendo bastante. Cheguei lá e havia duas profissionais muito competentes do Sírio-Libanês ajudando a salvar a vida de um paciente com pressão baixíssima, quase nada. Elas trabalharam para valer numa UTI modesta. Bolsonaro havia perdido 2 litros e meio de sangue, mais da metade da quantidade total do organismo. Ele estava em choque. Entrei e disse: vim buscar o candidato. Os profissionais do Sírio-Libanês ligaram para o Roberto Kalil, chefe da cardiologia do hospital, e ele prontamente concordou com a transferência para o Einstein. Esperei o estado dele se estabilizar. A cirurgia havia durado duas horas e terminou meia-noite. Ele ficou na UTI até as 6 da manhã. Veio para São Paulo consciente.

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Por que acha ter sido indicado pelos colegas para cuidar do presidente? Não se trata unicamente de competência técnica. Era uma situação dramática em diversos sentidos. Eu tenho um autocontrole muito grande. Não fico nervoso por nada. Sei que para tudo tem solução. Há dez anos, introduzi a cirurgia robótica na área gástrica. Era o ano de 2008, havia pouquíssimos aparelhos e profissionais especializados. Pedi para treinar com os aparelhos que eram usados em operações da próstata. Passei um ano inteiro indo ao hospital durante todos os domingos de manhã, sem faltar um dia, só para treinar. Eu colocava umas uvas espetadinhas e costurava a pele delas. Hoje os aparelhos de robótica praticamente fazem parte do meu corpo.

O senhor sempre foi assim, obstinado? Desde pequeno. Aos 13 anos, eu caí do cavalo, e a queda causou uma paralisia do lado direito do meu rosto. Disse ao médico que me atendeu, um professor de neurologia do Hospital das Clínicas, que eu queria ser cirurgião. Ele me aconselhou a procurar outra profissão. Fui para casa abaladíssimo. Meu avô então me repreendeu: “Esquece o que ele disse, não sabe nada. Ele é professor de cirurgia, mas não de gente”. Foi aí que eu mais quis ser cirurgião. Pouco mais de dez anos depois, operei o médico que me atendeu, por uma grande coincidência. Era noite de Natal. Tirei a vesícula dele. No dia seguinte, ele me olhou e perguntou: “O que aconteceu no seu rosto, menino?”. Eu relembrei a história a ele. Ele chorou igual a uma criança. Para mim, o não inexiste. Vou até o fim, sempre. Desisto só se me matarem.

O que o fez mudar de hospital depois de quatro décadas? No Vila Nova Star posso tratar de pacientes extremamente complexos, de alta gravidade. E com perfis muito variados. A Rede D’Or é enorme, tem 43 hospitais de regiões de todo o país. Os casos clínicos podem ser avaliados e estudados por um grupo grande de pessoas. É um meio de trabalho riquíssimo.

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O senhor trocou de instituição para ganhar 1 milhão de reais por mês? Tem de perguntar isso a minha filha. É ela que cuida dessas coisas para mim. Eu ganho bem, claro. Mas não sei se é isso tudo.

Publicado em VEJA de 11 de setembro de 2019, edição nº 2651

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