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“Apostei na vida”

Com leucemia, o cineasta Sebastião Braga, 37, é a primeira pessoa a passar por um tratamento que lhe trouxe esperança

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 4 jun 2024, 12h24 - Publicado em 27 ago 2022, 08h00
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  • Sebastião Braga -
    Sebastião Braga – (./Arquivo pessoal)

    Até o início de 2020, eu levava uma vida saudável e sem grandes sobressaltos. Trabalhava muito, praticava esportes e me alimentava bem. Estava envolvido na compra de uma casa com meu marido, já pensando lá na frente em ter filhos. Jamais imaginaria o tamanho do terremoto que se aproximava. Comecei a sentir dores agudas em uma perna e resolvi investigar o que era. Recebi então um hemograma que indicava o que estava por vir: meus leucócitos registravam dez vezes a taxa normal, o que uma tia médica estranhou no ato. “Há algo aqui fora do normal”, ela me disse. Passei a madrugada submetido a uma bateria de exames, até ouvir a mais assustadora de todas as frases. Suspeitavam que eu tinha um câncer, uma leucemia, e deveria ser internado. Fiquei sem chão, desesperado, mas certo de que faria tudo, tudo mesmo para sobreviver.

    Quando, enfim, saiu o diagnóstico, soube que era uma leucemia em estágio avançado e iniciei o tratamento em regime emergencial. Estávamos no auge da pandemia e, para não ficar com a imunidade baixa demais, me recomendaram uma quimioterapia mais leve, o que não era o ideal. Mesmo assim, a doença parecia controlada e eu planejava retomar a rotina. Foi quando viram que o câncer havia evoluído, um fantasma que passou a me perseguir. A melhor opção, garantiam, era tentar um transplante de medula óssea. Num momento difícil para conseguir doador, o jeito foi receber a medula da minha mãe, com altas chances de dar certo por causa da parentalidade. Fiquei três meses internado depois da cirurgia e voltei para casa debilitado e com 20 quilos a menos. No primeiro sinal de melhora, engatei no meu cotidiano de produzir filmes, um reencontro com a vida. Mas o chão voltou a tremer neste ano, em março. O câncer estava lá de novo. Eu era um doente terminal.

    Senti a morte próxima. A equipe do hospital chegou a sugerir terapeutas para mim e minha família. Tínhamos que conseguir lidar com a ideia do fim. Foi um período traumático, tomado pela agonia de não haver saída. Em meio à profunda desesperança, me falaram de um tratamento experimental chamado CAR-T Cell triplo, uma evolução do CAR-T Cell, já existente em diversos países. A questão: ele nunca havia sido testado em um paciente. Corri atrás de todos os brasileiros envolvidos no estudo sobre o tema, e eles me botaram em contato com o pesquisador que lidera as pesquisas nos Estados Unidos. De repente, me veio um horizonte. Todo o meu histórico permitia que me tornasse o primeiro humano submetido a tal tratamento no mundo. É um procedimento complexo, em que as células de defesa são retiradas e levadas a um laboratório, onde passam por uma espécie de reeducação: elas aprendem a identificar as células doentes para combatê-las. Fiquei três meses à espera da autorização do órgão americano responsável e peguei o avião.

    Não tive medo de me voluntariar. Era me arriscar em um terreno desconhecido ou esperar a morte, simples e duro assim. Eu me mudei para Ohio, para ser atendido no James Cancer Hospital. Cheguei há dois meses. Minhas células foram retiradas e, após uma semana, recolocadas em meu organismo. Tive febre e um pico de calafrios assustador. Parecia ter dado errado, mas aquele era um sintoma bom, de que o procedimento estava fazendo efeito. Passei mais um mês recebendo atenção médica 24 horas. E tive a melhor das notícias: a doença, pelo menos por ora, não é mais detectável em meu corpo. Claro que ainda estou em observação, com previsão de alta em setembro, e sei que tudo pode acontecer. Mas sinto que ganhei uma segunda chance, graças à ciência. O câncer mudou tudo. Vivia no automático. Hoje, não alimento mais rancores e mágoas inúteis. Meu objetivo zero é lutar para viver. E cada segundo tem um sabor único.

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    Sebastião Braga em depoimento dado a Duda Monteiro de Barros

    Publicado em VEJA de 31 de agosto de 2022, edição nº 2804

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