As bets e demais jogos de azar virtuais são uma ameaça à saúde pública com potencial de atuar como fatores viciantes e prejudiciais, como o álcool e o tabaco. A conclusão é da Comissão Lancet, ligada ao renomado periódico científico, que publicou um editorial e uma série de artigos convocando governos e elaboradores de políticas públicas a buscar soluções diante do crescimento desenfreado das apostas online e dos danos à saúde mental e financeira da população.
O documento, publicado na última quinta-feira, 24, apresenta a teia que os jogos de aposta formam, capaz de prender não só os usuários que estão expostos 24 horas por dia e sete dias por semana ao comportamento viciante, graças aos celulares, mas aos problemas causados em relacionamentos conjugais e entre familiares.
O grupo de pesquisadores alerta ainda para o aprofundamento das desigualdades sociais, considerando que os apostadores em dependência podem não só comprometer o orçamento como se endividar. Um dos artigos estima que as perdas líquidas globais dos usuários podem chegar a 700 bilhões de dólares até 2028.
“A Comissão apela aos governos e formuladores de políticas para tratar o jogo como uma questão de saúde pública — assim como para outras commodities viciantes e prejudiciais à saúde, como álcool e tabaco — e fornece recomendações para prevenir e mitigar a ampla gama de danos associados ao jogo.”
Apostas de adultos e adolescentes
Com base em dados do ano passado, a comissão estimou que 46,2% dos adultos e 17,9% dos adolescentes já tiveram algum tipo de contato com essas plataformas, mas a população que se enquadra no perfil de jogador patológico é de cerca de 1,4%. Embora pareça um número pequeno, os altos índices de pessoas experimentando os jogos combinados com o potencial de viciar dos jogos de azar configuram algo preocupante.
“Estimamos que o transtorno do jogo pode afetar 15,8% dos adultos e 26,4% dos adolescentes que jogam usando produtos de cassino ou caça-níqueis online, e 8,9% dos adultos e 16,3% dos adolescentes que jogam usando produtos de apostas esportivas”, diz trecho do documento.
Como os jogos de azar virtuais estão liberados em 80% dos países do mundo e já há exposição de crianças e adolescentes aos efeitos negativos, a comissão recomenda que os governos estabeleçam idade mínima para uso e atuem para que a identificação seja obrigatória.
Interesse econômico x saúde pública
A Comissão Lancet elaborou também recomendações para que a população seja protegida da dependência em bets com orientações direcionadas para gestores públicos. O primeiro tópico diz respeito à separação entre os interesses econômicos e o cuidado com a saúde pública. As cifras expõem a complexidade do tema. Só no Brasil, as bets têm potencial de movimentar R$ 130 bilhões por ano.
A regulamentação, por sua vez, deve considerar o zelo pelo usuário e ter um órgão regulador independente. O grupo também sugere que a Organização Mundial da Saúde (OMS) incorpore o tema em seu plano de trabalho e que seja criada uma resolução sobre as dimensões da saúde pública impactadas pelo jogo na Assembleia Mundial da Saúde.