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Brasileiros investigam bactéria causadora de infecção em hospitalizados

Grupo da Unifesp estudou diversidade genética da E. Coli, principal agente que pode afetar trato urinário

Por Ricardo Muniz, da Agência Fapesp
Atualizado em 4 jun 2024, 10h51 - Publicado em 3 fev 2023, 11h13
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  • O intestino do ser humano é um ambiente repleto de microrganismos coletivamente chamados de microbiota intestinal. Essa flora, na maioria dos indivíduos, é benéfica à saúde, fortalecendo o sistema imunológico, melhorando o metabolismo e desempenhando diversas funções no organismo.

    Uma das bactérias que fazem parte desse ambiente é a Escherichia coli. Praticamente todas as pessoas possuem essa bactéria no intestino, onde desempenha funções relevantes, como, por exemplo, a produção de alguns tipos de vitaminas.

    “Mas existe uma diversidade genética muito grande dentro da espécie, sendo que alguns de seus membros são patogênicos, isto é, causam doenças, como, por exemplo, infecções do trato urinário”, explica Tânia Gomes do Amaral, pesquisadora do Laboratório Experimental de Patogenicidade de Enterobactérias da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp). “A E. coli é o principal agente desse tipo de infecção tanto entre indivíduos saudáveis quanto entre pessoas que estão hospitalizadas ou usufruindo de serviços associados à assistência à saúde.”

    Amaral assina com 12 colegas artigo publicado na revista Pathogens sobre virulência e resistência a antibióticos dessa bactéria entre pacientes hospitalizados. “Focamos nosso estudo na população internada, pois pacientes que permanecem hospitalizados por longos períodos têm mais chances de passar por diversos procedimentos, como, por exemplo, a utilização de sondas urinárias ou de acessos venosos. Embora esses procedimentos sejam feitos para garantir suporte à vida, podem facilitar a entrada de bactérias no corpo e promover infecção”, diz Tânia, que obteve em 1988 seu doutorado em microbiologia e imunologia pela EPM, com parte da pesquisa conduzida na New York University Medical School e no Center for Vaccine Development (Baltimore, EUA).

    O trabalho agora publicado recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por meio de três projetos. O principal objetivo foi conhecer e entender a diversidade das E. coli que colonizam o intestino de pessoas hospitalizadas, avaliando aspectos relacionados ao potencial de causar infecção e o perfil de resistência aos antibióticos. Além disso, verificou-se quais bactérias causaram infecção nos pacientes durante o período do estudo para confirmar a frequência das chamadas infecções endógenas – causadas por bactérias da microbiota do próprio paciente.

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    Inicialmente, o grupo da Unifesp investigou a diversidade genética e a resistência aos antibióticos das cepas de E. coli presentes nos intestinos dos pacientes hospitalizados. Os genomas dessas cepas e de outras isoladas da urina dos pacientes que participaram do estudo foram sequenciados. Análises comparativas foram realizadas entre as diferentes linhagens para avaliar a disseminação dos microrganismos dentro do ambiente hospitalar.

    “Comparamos também os genomas dessas cepas com os de linhagens de E. coli isoladas em diferentes regiões do mundo para identificar a ocorrência, entre os pacientes do estudo, de bactérias patogênicas disseminadas globalmente”, detalha a pesquisadora.

    A equipe de cientistas conseguiu determinar a origem endógena da infecção urinária para a grande maioria dos participantes do estudo (> 70%). Também comprovou que os pacientes possuem, no mínimo, duas populações geneticamente diferentes de E. coli no intestino. Outro achado foi que aproximadamente 30% das pessoas analisadas eram colonizadas por cepas de E. coli não fermentadoras de lactose (menos comuns), sendo que alguns pacientes estudados só possuíam bactérias com essa característica na microbiota intestinal. “Esse achado é bem interessante, porque outros estudos internacionais que avaliam a composição da microbiota humana não analisam as E. coli não fermentadoras de lactose.”

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    Por fim, foi identificada nos intestinos de alguns pacientes a presença de E. coli portadoras de resistência a antibióticos importantes, como cefalosporinas de terceira geração e colistina. Em todos os pacientes em que foi verificada a colonização intestinal por bactérias resistentes a essas drogas, as mesmas bactérias também estavam causando infecção urinária endógena no paciente, ou seja, as bactérias multirresistentes estavam no intestino dos pacientes, colonizando-os, e alcançaram o trato urinário, onde causaram infecção.

    “Com isso, fica evidente que uma avaliação precoce das bactérias do intestino de pacientes hospitalizados, pelo menos no caso das infecções por E. coli, pode facilitar e guiar o tratamento e identificar os pacientes que apresentam risco de evolução para doenças extraintestinais, como as infecções urinárias, que foram o foco do nosso estudo”, avalia Tânia. “Desconhecemos se esse achado também valeria para outras bactérias que habitam a microbiota intestinal humana, como as dos gêneros Klebsiella, Enterobacter, Pseudomonas e outras que podem causar infecções no paciente quando alcançam sítios extraintestinais.” Em geral, bactérias desses gêneros são muito mais resistentes aos antibióticos do que as cepas de E. coli, representando um problema ainda maior para a saúde pública no ambiente hospitalar brasileiro.

    A pesquisadora ressalta que as E. coli resistentes a cefalosporinas de terceira geração e colistina, como as identificadas na microbiota dos pacientes hospitalizados, são consideradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) patógenos de risco crítico. “A presença na microbiota humana de bactérias resistentes e relacionadas a infecções humanas é muito preocupante, uma vez que podem se espalhar para a população fora do ambiente hospitalar.”

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    Diante desses achados, outro questionamento importante levantado com o estudo está relacionado ao momento em que a colonização intestinal por essas bactérias multirresistentes e virulentas se iniciou. Os autores do artigo não conseguiram definir se as bactérias resistentes a cefalosporinas e colistina já estavam nos intestinos dos pacientes antes da hospitalização ou se passaram a colonizar esses pacientes no ambiente hospitalar.

    Quando o paciente é hospitalizado, essa informação é importante, uma vez que o conhecimento sobre o perfil de virulência e resistência das bactérias pode ser utilizado para orientar a prevenção de infecções de sítios fora dos intestinos, bem como a disseminação dessas bactérias para outros pacientes internados.

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