Carne bem passada pode aumentar o risco de câncer
Pesquisa da USP revela que as deliciosas partes crocantes das carnes bem passadas contêm compostos que causam danos ao DNA, aumentando o risco de câncer
Uma nova pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) traz más notícias para os amantes de churrasco: o consumo das crostas escuras presentes na carne vermelha bem passada está relacionado ao desenvolvimento de câncer. O estudo afirma que, durante o preparo a altas temperaturas, são formados nessas partes do alimento compostos que podem induzir mutações responsáveis pelo aparecimento de células cancerígenas.
“Esperamos que os resultados do estudo possam contribuir para a compreensão do desenvolvimento do câncer e descobrir novas maneiras de preveni-lo”, afirmou ao site de VEJA a nutricionista Aline Martins de Carvalho, responsável pelo novo estudo, apresentado em sua tese de doutorado na Faculdade de Saúde Pública da USP.
Carne bem passada e câncer
A relação entre as partes escuras da carne e o desenvolvimento de câncer já era bem estabelecida em pesquisas com modelos animais, mas os efeitos do consumo desses alimentos no corpo humano ainda não eram completamente compreendidos. Uma pesquisa realizada pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, em 2011, já havia confirmado as implicações do consumo de carne bem passada no desenvolvimento de tumor de próstata.
Com a nova pesquisa, o objetivo de Aline era estudar a relação entre o consumo de carne bem passada (boi, frango e porco) e o surgimento de marcadores de câncer na população. Para isso, a pesquisadora utilizou dados de um inquérito de saúde com amostras de 560 adultos e idosos de São Paulo e coletou informações sobre os hábitos de consumo dos participantes a partir de diários e questionários de frequência alimentar. Em seguida, extraiu amostras do sangue das pessoas avaliadas e realizou análises no DNA para avaliar a presença de marcadores que poderiam indicar estresse oxidativo e dano ao DNA — que podem indicar uma futura presença de câncer.
Os resultados revelaram que, entre os indivíduos, o principal risco para um futuro desenvolvimento da doença estava no consumo de carne muito bem passada – quando preparada a altas temperaturas, a carne forma compostos carcinogênicos nas partes em que esquenta até quase queimar. Essas substâncias são compostos orgânicos nitrogenados chamados aminas heterocíclicas.
No corpo, a metabolização dessas moléculas é feita pelo fígado, produzindo espécies reativas conhecidas como radicais livres. O excesso dos radicais livres no organismo pode levar a um processo chamado estresse oxidativo, que ocorre quando a quantidade dos radicais livres no organismo é maior do que a capacidade física de neutralizá-los. Assim, as moléculas excedentes podem gerar danos a proteínas, lipídios e até ao DNA, levando ao aparecimento de doenças, como pode acontecer com o câncer.
Como evitar
A boa notícia a todos os amantes de carne bem passada é que, apesar dos danos que as deliciosas partes crocantes das extremidades podem causar ao organismo, não é necessário cortá-las completamente da dieta. Uma dica da pesquisadora é marinar a carne no limão, alho e cebola, para neutralizar os efeitos danosos.
“Esses temperos possuem compostos bioativos que são capazes de evitar a formação das substâncias prejudiciais à saúde”, afirma Aline. Também é aconselhável aquecer a carne por três minutos no micro-ondas antes de colocá-la na churrasqueira ou na chapa. Dessa forma, ela ficará menos tempo exposta ao fogo.
A pesquisadora ressalta, no entanto, que apesar da relação confirmada entre os compostos presentes na crosta escura da carne e o aumento dos níveis de estresse oxidativo e consequentes danos ao DNA – fatores que podem levar ao aparecimento de tumores – uma relação direta com o câncer não foi confirmada. Os resultados indicam apenas a ligação entre o consumo de partes escuras da carne bem passada e o desenvolvimento de danos no DNA e nas células que, se não reparados, podem levar à doença.