Carta ao Leitor: Conhecimento é tudo
Pesquisadores ainda buscam resposta para o aumento de casos de câncer entre jovens, e com uma certeza: a clareza é fundamental

A preocupação com o câncer é razoavelmente recente na história da civilização. Em 1896, quando o American Journal of Psychology pesquisou as doenças mais temidas, a enfermidade foi pouco lembrada. Era como se não existisse. A difteria, a varíola e a tuberculose é que despontaram em primeiro plano. Ao longo do século XX, contudo, houve mudança acelerada, e os tumores foram levados à ribalta dos medos da humanidade. De Susan Sontag (1933-2004), ensaísta e escritora americana, que conviveu com um nódulo de mama ao longo de uma década: “Mente-se a doentes de câncer não apenas porque a doença é, ou considera-se que seja, uma sentença de morte, mas porque é percebida como obscena no sentido original dessa palavra: agourenta, abominável, repugnante”.
Não é mais assim, assustador, graças à avalanche de investigações, atalho para diagnósticos precoces e tratamentos revolucionários, como a imunoterapia — que recruta o sistema imune para atacar a enfermidade — e os testes genéticos que indicam as terapias pontuais. Tome-se como exemplo o câncer de mama. Em 1980, houve no mundo o registro de 641 000 casos, com 250 000 mortes. Em 2023, foram 2,3 milhões de ocorrências e 670 000 mortes. Na ponta do lápis, os casos aumentaram 3,6 vezes, e os óbitos, 2,7. É estatística que permite otimismo, embora jamais relaxamento ou consolo para quem convive com “o imperador de todos os males”, na definição do oncologista americano Siddhartha Mukherjee.

A sucessão de boas notícias — em estrada que autorizou olhar para o câncer de maneira mais moderna, como revela a evolução das capas de VEJA ao longo das décadas, em que imagens mórbidas, de células famintas, foram trocadas por rostos sorridentes ou tranquilos — sugere alívio, mas pede cuidado com as surpresas. Uma delas, tema de reportagem da edição, mostra o aumento de casos de câncer entre jovens, em decorrência de hábitos alimentares atrelados a produtos processados e de alguma displicência no acompanhamento laboratorial, depois de anos de avanços. Os pesquisadores ainda buscam resposta para esse recente fenômeno, sem desespero e com uma certeza: a clareza é fundamental. VEJA, em mais de 55 anos de história, se orgulha da permanente vigília em busca de informação precisa, crucial tanto para o aprimoramento dos médicos quanto para o cotidiano dos pacientes. O câncer, que no passado era um susto e depois foi carimbado como enigma, deve agora ser observado pela lupa do conhecimento, com letalidade controlada.
Publicado em VEJA de 28 de março de 2025, edição nº 2937