Celular antes dos 13 impacta saúde mental e pode afetar 1 em cada 3 jovens da próxima geração, diz estudo
Pesquisa mostra que quanto mais cedo o primeiro smartphone chega, piores são os indicadores de saúde mental, como autoestima, regulação emocional e resiliência

Desde os anos 2000, o celular se tornou praticamente um apêndice da infância. A promessa de conexão e entretenimento — tudo na palma da mão — veio acompanhada de riscos pouco visíveis, mas com impactos significativos. Um estudo recém-publicado no Journal of Human Development and Capabilities aborda justamente o que mais está em jogo nessa história: a saúde mental. Um estudo recém-publicado no Journal of Human Development and Capabilities aborda justamente o que está mais em jogo nessa história: a saúde mental. A proposta é ir além dos estudos já existentes, que costumam focar em sintomas de depressão e ansiedade, e considerar aspectos específicos como autoimagem, competências sociais — como resiliência e empatia — e tendências suicidas.
Uma das descobertas mais importantes do estudo é que, quanto mais jovem a geração, pior tende a ser o nível de saúde mental e bem-estar. Isso contrasta com o que se observava historicamente: uma curva em formato de U ao longo da vida, em que o bem-estar costumava cair na meia-idade, mas melhorava novamente com o tempo.
“Hoje, 41% dos jovens entre 18 e 34 anos lutam contra sintomas ou dificuldades emocionais que afetam de forma significativa o dia a dia, algo que não era comum em gerações anteriores”, escrevem os autores da pesquisa. Essa mudança, segundo eles, coincide com a popularização dos smartphones e das redes sociais, o que os levou a querer explorar como a idade em que os indivíduos adquiriram um celular pela primeira vez durante a infância molda a saúde mental e o bem-estar no início da idade adulta.
Metodologia e resultados
Como metodologia, os pesquisadores avaliaram dados de mais de 100 mil pessoas entre 18 e 24 anos. Para isso, utilizaram o chamado ‘Mind Health Quotient’ (quociente de saúde mental, em português), um índice que avalia competências sociais, emocionais e cognitivas. Os resultados mostraram que jovens que ganharam o primeiro smartphone aos 13 anos apresentaram, em média, uma pontuação de 30 na avaliação. Já aqueles que receberam o aparelho antes disso, esse quociente foi caindo. Para ter ideia: entre os que receberam um smartphone aos cinco anos – idade mínima analisada –, a pontuação média foi de apenas 1.
“Isso mostra que receber um celular antes de 13 anos está associado a piores resultados de saúde mental na vida adulta jovem, incluindo pensamentos suicidas, distanciamento da realidade, pior regulação emocional e autoestima diminuída”, escrevem os pesquisadores.
Esse impacto é sentido principalmente pelas mulheres: 48% das participantes entre 18 e 24 anos que adquiriram um smartphone aos cinco ou seis anos relataram pensamentos suicidas, em comparação com 28% daquelas que receberam o aparelho aos 13 anos. Entre os homens, os números correspondentes são 31% e 20%. Ou seja, o celular não deixa de ser um risco para quem utiliza após os 13 anos, mas os impactos parecem falar ainda mais alto antes dessa faixa etária.
Além disso, a função emocional também parece comprometida. Os pesquisadores descobriram que aqueles que tiveram acesso ao celular em idade mais jovem apresentam maiores chances de impactos na autoimagem e autoestima, além de menos calma, estabilidade e resiliência emocional entre as mulheres, e menor empatia entre os homens. E até que eles que não usam diretamente esse tipo de tela podem acabar não saindo ilesos. “As crianças protegidas do uso de smartphone e redes sociais em casa continuam vulneráveis aos efeitos indiretos da agressão e dissociação em seus colegas, muitas vezes manifestadas como bullying ou violência nas escolas.”
Celular, por si só, é o único culpado por impactar a saúde mental?
Embora o smartphone em si esteja no centro da discussão, o estudo mostra que ele não é o único fator a afetar a saúde mental dos jovens. O acesso precoce às redes sociais, por exemplo, tem papel de destaque. Segundo os dados, ele responde por cerca de 40% da associação entre o uso do celular na infância e os impactos percebidos ao decorrer da vida.
Outros elementos também entram nessa conta: relações familiares fragilizadas, episódios de cyberbullying e distúrbios de sono. Juntos, esses fatores representam mais da metade do efeito observado. O interessante é que muitos desses problemas, como brigas em casa ou violência digital, aparecem como consequência direta da entrada precoce nas redes. Isso indica que, na prática, o smartphone pode se tornar um facilitador de outros riscos.
O sono, por sua vez, parece sofrer influência de outros tipos de usos do celular, como assistir vídeos, jogar ou navegar por aplicativos, atividades que não dependem, necessariamente, das redes sociais.
Um apelo à política pública global
Diante dos dados, os pesquisadores são enfáticos sobre a necessidade de uma resposta coordenada. “Quando crianças exibem esse nível de sofrimento mental e funcionamentos diminuídos, a intervenção não deve esperar. […] Neste contexto, o princípio da precaução não é apenas apropriado, é necessário.”
Segundo as projeções do estudo, se as tendências atuais de acesso a redes sociais por crianças cada vez mais jovens continuarem, esses fatores por si só “poderão ser responsáveis por sofrimento mental em até um terço da próxima geração.”
O trabalho propõe uma política pública inspirada em outras já aplicadas a substâncias e práticas prejudiciais na infância e adolescência, como álcool e tabaco. “Assim como restringimos álcool, tabaco e a direção de veículos a adolescentes mais velhos e adultos com base no risco para mentes e corpos em desenvolvimento, também devemos restringir smartphones e redes sociais durante os anos formativos críticos.”
Entre as medidas sugeridas estão:
- Educação obrigatória sobre alfabetização digital e saúde mental ((alta viabilidade, impacto médio);
- Responsabilização efetiva das empresas de tecnologia por violações de idade mínima nas redes (viabilidade média, alto impacto);
- Restrições ao acesso de redes sociais para menores de 13 anos (viabilidade média, alto impacto);
- Política de acesso graduado a smartphones, com alternativas tecnológicas mais seguras para crianças (mais desafiador, maior potencial de impacto).
Embora as recomendações do estudo estejam focadas principalmente em crianças com menos de 13 anos — faixa etária para a qual as evidências são mais robustas —, os pesquisadores alertam que os dados sobre adolescentes entre 14 e 18 anos também vêm ganhando força. Ou seja, pode ser hora de pensar em formas de proteção para esse grupo também, mesmo que mais estudos ainda sejam necessários.
Na visão deles, esperar por uma comprovação 100% causal, diante de dados populacionais já tão consistentes, pode significar perder uma janela de oportunidade para agir. “Ao implementar decisões com base no que já sabemos sobre o desenvolvimento infantil, podemos proteger a saúde mental das próximas gerações e garantir que elas ampliem suas liberdades reais para aprender, se relacionar e prosperar em um mundo mediado digitalmente.”