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Ciência amplia caminhos para vida mais longa, com saúde física e mental

Exemplos de vitalidade, a rainha Elizabeth II completará 70 anos de reinado e o americano Joe Biden fará 80 anos de idade no comando da Casa Branca em 2022

Por Cilene Pereira, Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h26 - Publicado em 8 jan 2022, 08h00

“Viver é envelhecer, nada mais.” Hoje, a simplicidade da frase com que a intelectual francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) resumiu a vida e o envelhecimento poderia ser pronunciada ao contrário. Se viver é envelhecer, como diz ela, envelhecer, atualmente, significa viver, e muito. Nos últimos vinte anos, o ritmo de descobertas, terapias e caminhos abertos para estender o tempo da vida humana foi incomparavelmente mais acelerado do que em qualquer outra época da história. O resultado é que, excetuando-se o período da pandemia de Covid-19, no qual a expectativa de vida caiu em decorrência das mortes causadas pela doença, a previsão é de que homens e mulheres vivam a cada ano um pouquinho mais. Só no Brasil, de 1940 até 2020 a média de vida aumentou 31 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para uma espécie que no começo da existência apresentava tempo médio de vida de 20 e poucos anos, é um deslumbre testemunhar exemplos como os da rainha Elizabeth II, do Reino Unido, e do presidente Joe Biden, dos Estados Unidos. Elizabeth é a monarca que por mais tempo ocupa o trono britânico nos mais de quatro séculos da monarquia no Reino Unido — em 6 de fevereiro completará setenta anos no poder. Biden fará 80 anos em 20 de novembro, no papel do mais velho presidente a ocupar a Casa Branca. Pode-se não gostar do tradicionalismo da realeza ou de decisões estratégicas do chefe do Executivo americano, mas é inegável que Elizabeth e Biden estão no comando do seu tempo. A contar o fôlego demonstrado pela ciência, as próximas décadas trarão outras mostras fabulosas do avançar do homem em direção a uma vida longeva e saudável.

VITALIDADE - O jovial presidente dos Estados Unidos: o mais velho a ocupar o Salão Oval da Casa Branca -
VITALIDADE - O jovial presidente dos Estados Unidos: o mais velho a ocupar o Salão Oval da Casa Branca – (Drew Angerer/Getty Images)

É de se comemorar ainda a mudança em andamento sobre o que realmente significa viver mais. Há um consenso: é impossível discutir o prolongamento da vida somente pelo olhar da biologia ou mecânica corporais. Manter-se funcional aos 150, 200 anos até poderá ser possível, de acordo com projeções otimistas, mas o que fazer para preservar a vitalidade da mente? E como transformar o entendimento a respeito da velhice e da individualidade do idoso uma vez que todos seremos mais velhos e por mais tempo?

arte longevidade

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É sempre interessante, insista-se, seguir Simone de Beauvoir, para quem a velhice sempre foi um tema perturbador. Foi ela, enfim, quem abriu a discussão que poucos ousavam pôr em cena. No livro A Velhice (clique para comprar), de 1970, inspirado na senilidade do marido, o filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980), a pensadora trata o assunto do ponto de vista cultural, jogando luz à desumanização e ao tratamento oferecido comumente aos idosos nas sociedades ocidentais, que perpassa o desprezo e a infantilização. Na obra, ela propõe mudanças para desmistificar a ideia de que envelhecer é o processo pelo qual a individualidade se dissipa como nuvem após a tempestade, restando no lugar de um indivíduo apenas uma máquina desgastada mantida em operação por meio de acertos aqui e ali.

NEM AÍ - Iris Apfel: a centenária designer com figurinos divertidos -
NEM AÍ – Iris Apfel: a centenária designer com figurinos divertidos – (Noam Galai/Getty Images)

Os movimentos em defesa da equidade de gêneros e da diversidade que tão bem fazem às sociedades, somados aos saltos da medicina, auxiliam a humanidade a girar o farol em direção a essas questões. A derrubada do estereótipo de beleza deu um bom empurrão nas transformações. Antes associado à juventude, hoje o belo pode ser velho, baixo, magro, gordo. O inovador também. A empresária americana Iris Apfel completou 100 anos em agosto de 2021 estampando editoriais de moda e idolatrada como referência de cultura pop dos Estados Unidos. Marcas mais antenadas perceberam que a subida nos índices de expectativa de vida implica entrega de produtos e modelos que falem diretamente com quem tem mais de 50 anos, grupo que se tornará mais e mais numeroso. São sinais de que, aos poucos, o ser humano se prepara para uma jornada mais longa.

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Ao mesmo tempo, achados da antropologia, sociologia, medicina e neurociências, entre outras áreas, pavimentam o trajeto para que a qualidade da estrada se estenda ao que temos de mais precioso, a nossa mente. Há duas frentes abertas. A primeira tem por objetivo enfrentar com maior eficácia enfermidades típicas do envelhecimento como o Alzheimer e o Parkinson. O que se quer é que elas não sejam mais empecilhos para vivências duradouras e saudáveis. Por isso, nos laboratórios estão em andamento experimentos que tentam desenvolver um jeito de devolver à maquinaria cerebral as peças quebradas pelas duas doenças. Uma das apostas está nas células-tronco, que podem ser transformadas em diversos tecidos. A ideia é que, uma vez implantadas nos locais onde há morte neuronal, elas assumam os papéis desempenhados pelos neurônios que não funcionam mais.

ESPAÇO - Diversidade: nas passarelas, a inclusão de modelos mais velhas -
ESPAÇO - Diversidade: nas passarelas, a inclusão de modelos mais velhas – (Naomi Rahim/WireImage/Getty Images)

Da mesma forma, a medicina corre para criar outras opções que previnam e tratem as doenças psiquiátricas, flagelos que, se não mitigados, jamais permitirão que as existências humanas sejam longevas e plenas. “Não há como descartar ou deixar de lado o tema da saúde mental nessa discussão”, diz Elisa Kozasa, pesquisadora do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. De fato, se queremos viver mais, é preciso dar às condições mentais atenção e investimento em pesquisa e tratamentos equivalentes à importância que têm para o equilíbrio da saúde. Por sorte, a busca por terapias mais efetivas oferece perspectivas interessantes. Uma delas é o desenvolvimento de técnicas que regulam a troca de sinais elétricos em regiões do cérebro associadas à depressão, por exemplo. Há algumas sendo aplicadas em centros de referência brasileiros. “Elas são usadas quando o paciente não responde a outras alternativas de tratamento”, diz André Brunoni, coordenador do Serviço de Neuromodulação do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Da genética, chegam recursos como os testes que identificam os remédios para depressão ou ansiedade adequados de acordo com o DNA do paciente. “Eles aumentam em até 50% as taxas de remissão dos sintomas se comparados aos tratamentos baseados em tentativa e erro”, afirma o psiquiatra Guido Boabaid May, integrante do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e fundador da GnTech, laboratório líder no país no desenvolvimento de exames do gênero. A abordagem só tende a crescer.

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O caminho para a longevidade, pontuada em sua história pela busca de fórmulas mágicas, ancora-se hoje no saber científico e no respeito à complexidade do ser humano. Não é por outra razão que o trabalho envolve perscrutar cada uma dos 3 bilhões de letras químicas que compõem o DNA para saber como corrigir erros genéticos e também identificar os benefícios de práticas milenares como a meditação, responsáveis por efeitos sistêmicos no organismo. No Brasil, um dos centros mais ativos nesse campo funciona na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. Lá, cientistas como Marcelo Demarzo investigam por que meditar faz tão bem. As respostas servem para o corpo de hoje e ao que teremos no futuro. Demarzo já sabe que a meditação, entre outros impactos, ativa as defesas do corpo e ajuda a regular as emoções. Portanto, será ótimo recurso para a saúde física e mental ao longo dos anos. É reconfortante saber que o esforço em favor da longevidade parece ter encontrado o ponto ideal. A boa ciência e a sociedade consciente repelem as bizarrices. Afinal, o que está em jogo não é simplesmente viver mais. Mas saber o que fazer com o tempo que ganharemos.

Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2022, edição nº 2771

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