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Afinal, como a alimentação afeta as bactérias intestinais?

Dieta afeta a microbiota, mas a relação disso com a saúde geral ainda não é bem compreendida

Por Mauro Proença*, para o Questão de Ciência
10 mar 2025, 11h00

Durante minha graduação, discutia-se muito a importância da microbiota intestinal para o funcionamento gastrointestinal, o suporte imune e sua relação com doenças neurológicas e neurodegenerativas.

Naquela época, devido ao meu posicionamento acrítico, aceitei sem questionar afirmações como: “a microbiota é tão essencial que devemos evitar ingredientes que a prejudiquem, como adoçantes, corantes, açúcares simples e gorduras saturadas”.

Entretanto, para evitar a simplificação do “alimento bom” versus “alimento ruim”, acredito que essa visão é apenas uma extrapolação fisiológica. Embora a microbiota seja importante e esteja associada a diferentes desfechos de saúde, é ilógico acreditarmos — como veremos em breve — que, porque um ingrediente pode alterá-la, seja em estudos in vitro ou em humanos, deveríamos evitá-lo a todo custo. Afinal, o que realmente importa não é o ingrediente isolado, nem as possíveis alterações nas cepas bacterianas, mas sim se isso se traduz em um desfecho clínico relevante. Além disso, é duvidoso que o consumo isolado de um alimento cause impacto significativo.

Acredito que muitos já tenham lido alguma matéria ou notícia a respeito da microbiota; contudo, caso você esteja completamente perdido, um resumo:

Para começarmos, é necessário diferenciarmos microbioma e microbiota. O primeiro refere-se à totalidade dos microrganismos, suas informações genéticas e as atividades que esses microrganismos exercem no ambiente em que interagem, enquanto a microbiota intestinal pode ser definida como a comunidade diversa de microrganismos que habitam o intestino humano, predominantemente composta por dois grandes grupos, ou filos, de bactérias, Bacteroidota, de parede celular fina, e Firmicutes, com parede celular mais espessa.

Esses dois grupos compõem cerca de 90% das bactérias humanas. Outros filos, como Proteobacteria Actinobacteria, também estão presentes e são importantes.

Quando há equilíbrio, esses microrganismos atuam de forma mutualista com o hospedeiro. O intestino fornece o ambiente e os nutrientes necessários e, em troca, a microbiota contribui com substratos, enzimas, vitaminas e energia.

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Como algumas moléculas produzidas pela microbiota intestinal podem viajar pelo corpo, é plausível supor que alterações significativas em sua composição possam gerar respostas negativas em outros órgãos, talvez até com impactos na saúde. No entanto, é importante alertar que, até o momento, não há uma resposta clara sobre se isso realmente ocorre.

Diversos fatores, como a dieta, o uso de medicamentos (especialmente antibióticos) e condições de saúde influenciam a microbiota. Mas você já imaginou como essa comunidade microbiana se forma?

Formação da microbiota

Para essa questão, acredito que os artigos “Gut bacteria formation and influencing factors” (2021) e “Introduction to the human gut microbiota” (2017) oferecem boas respostas.

Inicialmente, acreditava-se que o feto fosse estéril no útero, com a colonização ocorrendo somente durante o parto. No entanto, evidências recentes sugerem que bactérias das microbiotas oral, vaginal, urinária e intestinal podem passar para a placenta e o feto.

O tipo de parto também é importante. Bebês nascidos por cesariana apresentam maior abundância de Firmicutes, enquanto os nascidos por parto vaginal têm maior concentração de Bifidobacterium e Bacteroides – diferenças notáveis nos primeiros três meses, mas que se dissipam após seis meses.

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A microbiota do bebê recebe contribuições principalmente da pele da mãe e do aleitamento materno ou fórmula infantil, com estudos indicando que 25% a 30% da microbiota bacteriana vêm do leite materno. Geografia, hábitos alimentares, crescimento e envelhecimento também influenciam a composição da microbiota.

O uso frequente de fármacos, especialmente antibióticos, pode desestabilizar a microbiota e comprometer a regulação imune. Outros medicamentos, como antidiabéticos e inibidores da bomba de prótons (como o omeprazol), também impactam negativamente determinadas cepas bacterianas.

Há alguma evidência de que pacientes com depressão têm uma microbiota diferente; no entanto, não é possível determinar se a alteração representa uma das causas da depressão – algo em que, particularmente, não acredito –, se a associação é fortuita, ou tem outra explicação.

A microbiota ainda é sensível à atividade física. Hábitos como o consumo de álcool e o tabagismo contribuem para um desequilíbrio entre as bactérias prejudiciais e as benéficas (disbiose).

Obviamente, a dieta também tem um impacto direto na estrutura e atividade da microbiota.

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No entanto, a grande variabilidade dos hábitos alimentares entre populações torna improvável a existência de uma dieta universalmente ideal para a saúde da microbiota.

Diante desse cenário, surge a questão: alterações na microbiota realmente resultam em mudanças clinicamente significativas para a saúde?

As intervenções alimentares

Foi publicado neste ano, na revista científica Nutrients, um artigo interessante intitulado “Effects of Vegetable and Fruit Juicing on Gut and Oral Microbiome Composition”. Nesse estudo de intervenção dietética de três semanas, os pesquisadores compararam duas dietas à base de sucos com uma dieta baseada em alimentos integrais de origem vegetal, com o intuito de investigar como essas abordagens influenciam o microbioma oral e intestinal. “Microbioma” é definido como a totalidade dos microrganismos, suas informações genéticas e atividades.

Com curta duração e um número muito reduzido de participantes (14), o estudo não permite conclusões firmes, mas indica que alguns padrões dietéticos podem alterar, enquanto estão sendo seguidos, tanto a microbiota oral quanto a intestinal. Ainda não sabemos, porém, se essas mudanças levam à alteração de algum marcador específico ou a um impacto real na saúde.

Infelizmente, em um mundo de competição por atenção, estudos desse tipo — que, em algum momento, exageram a significância de seus achados — são facilmente utilizados como clickbait.

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Para evitar equívocos, é essencial reforçar que a microbiota intestinal é, de fato, muito importante para a saúde. No entanto, o que ainda não sabemos com clareza é se os microrganismos que a compõem — e as alterações provocadas por fatores externos — são a causa dos efeitos benéficos observados ou se refletem, simplesmente, hábitos de vida saudáveis que beneficiam esses microrganismos.

Para exemplificar o que estou dizendo, foi publicado em 2022, em Gastroenterology (um periódico revisado por pares que cobre estudos relacionados ao sistema digestivo, incluindo pâncreas e fígado, assim como nutrição), um artigo intitulado “A Systematic Review and Meta-analysis of Dietary Interventions Modulating Gut Microbiota and Cardiometabolic Diseases – Striving for New Standards in Microbiome Studies”.

Como o nome sugere, trata-se de uma revisão sistemática com metanálise que investigou o efeito das intervenções dietéticas no microbioma intestinal e nos desfechos relacionados às doenças cardiometabólicas (CMD).

Os pesquisadores selecionaram apenas ensaios clínicos (randomizados ou não) que avaliaram parâmetros associados às CMD, como síndrome metabólica (MetSyn), diabetes tipo 2 (T2D), doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD) e aterosclerose. Os estudos precisavam envolver uma intervenção dietética (alterando macronutrientes ou padrão alimentar) e alguma análise do microbioma.

A análise incluiu 21 ensaios clínicos, todos com alto risco de viés, principalmente devido à ausência de um plano de análise pré-especificado para o microbioma. Os estudos não randomizados não atingiram a classificação de “boa qualidade metodológica”, apresentando problemas como critérios de seleção dos participantes, controle de fatores de confusão e adequação do período de acompanhamento.

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A principal constatação qualitativa deste levantamento foi de que a mudança na ingestão de macronutrientes por intervenções dietéticas afeta os perfis do microbioma, mas nenhum efeito consistente da dieta na composição ou função do microbioma foi identificado. A principal constatação quantitativa foi que a pressão arterial e alguns marcadores lipídicos são afetados por intervenções dietéticas, mas os efeitos não estão relacionados a mudanças universais ou específicas de doenças metabólicas no microbioma.

Revisões sistemáticas anteriores sobre intervenções dietéticas em doenças cardiometabólicas (CMD) relataram resultados conflitantes quando a análise chega ao nível do microbioma, com inconsistências, por exemplo, na composição fecal bacteriana.

O que se pode afirmar é que intervenções dietéticas têm o potencial de modular a composição do microbioma, mas os impactos clínicos não se refletem diretamente em mudanças universais nas espécies bacterianas. Embora as dietas ricas em fibras – principalmente –- possam influenciar a composição do microbioma e a produção de alguns metabólitos, os efeitos disso sobre a saúde geral ainda precisam ser melhor compreendidos.

Finalmente, é importante reconhecer que a revisão sistemática apresentou várias limitações. Algumas já foram mencionadas anteriormente, como o alto risco de viés, a alta heterogeneidade e o uso de diferentes métodos para a análise da microbiota intestinal.

O avanço das técnicas de pesquisa deve trazer respostas mais concretas sobre se as alterações na microbiota, ocasionadas por diferentes padrões dietéticos, são a causa de muitos problemas de saúde, ou se são apenas um reflexo da alimentação e de outros fatores.

O que parece razoavelmente claro é que a microbiota está em um padrão mais “saudável” quando seguimos o básico que todos conhecem: exercitar-se, evitar o estresse, alimentar-se de forma equilibrada, não fumar e moderar o consumo de álcool.

*Mauro Proença é nutricionista

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