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Como a inteligência artificial pode ajudar a comer melhor?

Pesquisadores da USP desenvolveram ferramenta de IA para criar planos alimentares personalizados e auxiliar nutricionistas a tomarem decisões

Por Agência FAPESP
Atualizado em 4 jun 2024, 10h10 - Publicado em 29 ago 2023, 11h00

Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC) utilizaram uma técnica de inteligência artificial (IA) para desenvolver uma ferramenta computacional que, no futuro, possibilitará aos nutricionistas gerar planos alimentares personalizados de maneira automática para seus pacientes. A ferramenta já foi testada por nutricionistas, que concordaram com 89% das características dos planos alimentares elaborados. A metodologia e a avaliação foram descritas em artigo publicado no Journal of Food Composition and Analysis.

Entre várias técnicas de IA analisadas, os pesquisadores escolheram uma que é aplicada em jogos computacionais, chamada Máquina de Estados Finito (MSF). Por meio dela, o computador executa uma determinada ação até que o resultado almejado seja alcançado. “Há uma série de regras e possibilidades de combinações de alimentos. A ferramenta gera diversos planos alimentares com base nessas regras, sendo capaz de compreender quais são as combinações corretas. Isso evita, por exemplo, que o sistema sugira arroz e feijão para o café da manhã”, explica a nutricionista Kristy Soraya Coelho, pesquisadora do FoRC – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP sediado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP).

No processo de tomada de decisão da máquina, são consideradas a composição química dos alimentos e suas formas de preparo (cozido, assado, grelhado, com molho, presença ou ausência de tempero, entre outros), a sazonalidade e as características sensoriais dos alimentos (cor, sabor e textura). As preferências, restrições e recomendações nutricionais do paciente são inseridas na ferramenta pelo nutricionista. A máquina faz então o cruzamento de todas as variáveis e possibilidades de alimentos e preparações e elabora as escolhas a partir delas, criando o plano alimentar.

“A ferramenta entende, por exemplo, que é preciso ter uma bebida no café da manhã, que pode ser leite, café, chá, café com leite, entre outros, além de outros alimentos, como pão, biscoito, bolo ou uma fruta; para então fazer as escolhas e definir as refeições. Se o paciente, por exemplo, não consome tomate, esse alimento de forma isolada ou mesmo em preparações não fará parte das refeições do plano alimentar, como em uma salada, molho ou um prato misto”, detalha Coelho, coordenadora do projeto.

Ao gerar os planos alimentares, a ferramenta faz a estimativa da necessidade de energia, considerando a distribuição adequada de macronutrientes (60% de carboidratos, 15% de proteínas e 25% de lipídios) e de micronutrientes (vitaminas e minerais), segundo as recomendações de ingestão na dieta (Dietary Reference Intakes – DRIs). “Caso seja necessário, é possível fazer a substituição dos alimentos e preparações, alterar as porções e a ferramenta fará o ajuste no plano alimentar”, explica.

Expertise humana

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Um dos diferenciais da ferramenta é seguir uma árvore de decisão que representa a expertise do nutricionista na escolha dos alimentos e preparações. “Nós trabalhamos com a representação do conhecimento do nutricionista. Aplicamos a técnica de inteligência artificial para traduzir a sua expertise na tomada de decisão e na elaboração de planos alimentares mais fiéis às necessidades e preferências do paciente. Esse tipo de sistema, chamado de especialista, é único no mercado”, afirma a pesquisadora.

Outro diferencial é que a ferramenta segue as quatro etapas do Processo de Cuidados de Nutrição (PCN) definidas pela Academia de Nutrição e Dietética (Academy of Nutrition and Dietetics): avaliação do estado nutricional, diagnóstico de nutrição, intervenção de nutrição, monitoramento e acompanhamento. Trata-se de um processo sistematizado que visa otimizar a rotina de trabalho do nutricionista.

“A ferramenta representa um grande auxílio no processo de tomada de decisão do nutricionista, pois possibilitará otimizar o trabalho da consulta. No entanto, a decisão final sobre a prescrição dietética sempre caberá a ele”, destaca. Hoje, segundo a pesquisadora, as ferramentas disponíveis no mercado fazem cálculos e análises isolados. “São sistemas de informações, que armazenam, processam e recuperam dados coletados, mas não fazem inferências, isso cabe ao nutricionista”, aponta Coelho.

Além disso, as regras da ferramenta foram otimizadas pensando no hábito alimentar dos brasileiros. Da forma como esse software foi elaborado, ele pode ser otimizado para hábitos alimentares de outros países e incluir as bases de dados locais.

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Dados nacionais

A ferramenta da USP utiliza a base de dados Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA), que traz a composição química e o valor energético de alimentos e preparações, incluindo crus e cozidos, alimentos processados prontos para consumo e preparações. Os dados da TBCA são relativos aos alimentos e preparações usualmente consumidos pela população brasileira, com metodologias adequadas e padronizadas.

“São informações obtidas em laboratórios próprios da FCF-USP e de estudos de diversas universidades do Brasil, que não consideram apenas os valores dos alimentos in natura, mas também preparações simples (assado, cozido, frito, grelhado) e em receitas. Isso possibilita realizar a estimativa da composição química dos alimentos por meio de cálculos”, explica.

Testes bem-sucedidos

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Quando foi testada, a ferramenta se baseou em uma versão da TBCA que continha dados de 2.182 alimentos, totalizando mais de 1.800 preparações. Foram criados 15 pacientes fictícios, em boas condições de saúde e, a partir disso, gerados sete planos alimentares semanais, o que totalizou 105 planos. Os resultados foram então avaliados por 18 nutricionistas com especialização em nutrição clínica ou três anos de experiência na área, pelo menos. Em uma escala de zero a dez, eles deveriam informar o quanto concordavam com as características dos planos criados pela ferramenta.

“O índice de aprovação foi de 89%, uma porcentagem considerada muito boa para uma ferramenta baseada em conhecimento, pois nem o especialista humano consegue acertar 100%. Os planos alimentares gerados pelo sistema conseguiram atender às preferências, recomendações nutricionais e adequação quanto às porções e refeições”, afirma Coelho.

Com o sucesso nos testes iniciais, estão sendo desenvolvidos outros estudos com perfis diversos de pessoas, de gestantes a idosos.

Nutrição de precisão

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“Em breve, começaremos uma etapa mais avançada do projeto, que é a nutrição de precisão ou nutrição personalizada, um campo que considera ainda mais as especificidades dos pacientes para aumentar a assertividade da ferramenta. Nesse ensaio clínico, vamos considerar não apenas a avaliação nutricional, mas também exames bioquímicos e aspectos genéticos”, adianta.

No futuro, além das informações sobre os alimentos e as preparações específicas de regiões do Brasil e hábitos alimentares regionais, os pesquisadores pretendem incluir recursos que possibilitem estimar o custo dos planos alimentares e fornecer lista de compras para o paciente.

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