Como amamentação prolongada reduz risco de malária em crianças
Estudo apontou que aquelas que mamaram por um ano ou mais tiveram uma chance 79,8% menor de serem infectadas pelo parasita causador da doença
Estudo que acompanha crianças nascidas entre 2015 e 2016 na cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, encontrou uma associação entre o tempo de amamentação e o risco de infecção pelo Plasmodium vivax, parasita causador da malária. Entre 435 crianças acompanhadas até o segundo ano de vida, aquelas que foram amamentadas por um ano ou mais tiveram uma chance 79,8% menor de serem infectadas.
Os resultados, publicados no Pediatric Infectious Disease Journal, foram obtidos no âmbito do “Estudo MINA – materno-infantil no Acre: coorte de nascimentos da Amazônia ocidental brasileira”, realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na região conhecida como Vale do Juruá, que responde por 18% dos casos de malária no país.
“Em um trabalho anterior, vimos que a incidência de casos de malária notificados foi baixa ao longo do primeiro ano de vida e aumentou de forma pronunciada no segundo ano. Fizemos sorologia para identificar infecções não notificadas e vimos que a exposição ao Plasmodium vivax foi muito maior do que registrado. No primeiro ano, 77% das infecções não foram diagnosticadas e, nos primeiros dois anos, ao menos metade das infecções não teve diagnóstico e, portanto, não foi tratada com antimaláricos”, conta Anaclara Pincelli, primeira autora do estudo, realizado durante doutorado no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). O trabalho foi realizado sob orientação de Marcelo Urbano Ferreira, professor do ICB-USP.
Nos dois primeiros anos de vida, 665 crianças foram acompanhadas pelo estudo, mas só foi possível coletar amostras de sangue de 435. Os pesquisadores fizeram testes sorológicos para três diferentes antígenos do parasita para identificar a exposição das crianças ao Plasmodium vivax, que provoca a malária quando inoculado pela picada de mosquitos.
“Muitos casos são assintomáticos ou com sintomas leves, o que faz com que nem todos busquem auxílio médico e sejam testados. Além disso, os níveis do parasita no sangue podem estar indetectáveis pelo exame de microscopia, usado para diagnosticar a infecção”, explica Marly Augusto Cardoso, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e coordenadora do Estudo MINA.
O trabalho é o primeiro a relacionar o aleitamento materno como fator de proteção contra o Plasmodium vivax, responsável por 85% dos casos de malária na região.
Os poucos estudos que se debruçaram sobre a relação entre amamentação e malária foram realizados na África Subsaariana, onde predomina outra espécie do parasito, o Plasmodium falciparum, causador de formas mais graves da doença.
Leite materno protetor
O estudo detectou ainda que malária na gestação foi um dos principais fatores associados com aumento de risco de malária nos primeiros dois anos de vida.
Em se tratando de uma região endêmica da doença, os pesquisadores acreditam que a testagem contínua, pelo menos nas consultas de rotina, seria uma forma de compreender melhor o impacto da exposição à doença nas crianças.
Além disso, eles ressaltam a importância do aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de vida e continuado pelo menos até 2 anos de idade, como recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em média, nessa população, a amamentação exclusiva ocorreu apenas até os primeiros 16 dias de vida, quando foram introduzidos outros alimentos não recomendados.
“Nossa ideia agora é analisar não apenas os dados de malária até os 5 anos de idade, como também verificar o impacto da doença no desenvolvimento das crianças”, encerra Cardoso.
Pela apresentação do trabalho na 8th International Conference on Plasmodium vivax Research, ocorrida em abril, Anaclara recebeu como prêmio na categoria para estudantes uma ilustração com os resultados do estudo.