Contraceptivos masculinos são promessa, mas não para já
Pesquisas estão acontecendo a todo o vapor, porém a inserção desses medicamentos na indústria e sua aceitação cultural ainda são desafios
Atualmente, os únicos métodos contraceptivos disponíveis para os homens são a camisinha e a vasectomia. Esta última, porém, implica uma cirurgia que dificilmente pode ser revertida e nem todos eles estão prontos a se comprometerem a uma forma permanente de controle de natalidade.
Por outro lado, para as mulheres as opções são mais abrangentes. Desde a década de 1960, quando foi lançada, a pílula anticoncepcional representa um marco nos direitos reprodutivos femininos — mas que vem acompanhado de uma longa lista de efeitos colaterais indesejados. Náuseas, dores de cabeça, coágulos e depressão são alguns sintomas relacionados aos anticoncepcionais hormonais femininos já reportados.
Esse aspecto, juntamente com os movimentos pela igualdade de gênero, fomentou debates acerca de um possível anticoncepcional masculino. Uma vez que a gravidez não é só responsabilidade das mulheres. Afinal, “quando um não quer, dois não brigam” ou, neste caso, “engravidam”.
Até por isso, a resistência masculina parece estar amolecendo. Há evidências de que os homens estão interessados em experimentar novos tipos de contracepção. Em uma pesquisa realizada nos EUA, em 2017, a Male Contraceptive Initiative descobriu que 85% dos 1.500 homens entrevistados com idades entre 18 e 44 anos estavam interessados em evitar que suas parceiras engravidassem.
Resta saber, como esses dados se expressariam no Brasil. Visto que a indústria farmacêutica nacional não considera esse investimento tão promissor. Justamente por julgar como insuficiente o número de homens que estariam dispostos a adotar esses métodos de controle de natalidade.
Esse desânimo por parte da indústria é um reflexo da postura masculina frente uma gestação. Os homens, ainda hoje, não se sentem responsáveis pela gravidez. É o que explica a VEJA Marcelo Horta Furtado, supervisor da Disciplina de Reprodução da Sociedade Brasileira de Urologia. “Todo o fardo recai sobre a mulher, porque é ela que irá carregar o bebê por 9 meses”. É por causa disso que os homens são menos propensos a aceitarem lidar com os efeitos adversos do contraceptivo: “Eles não teriam um benefício palpável direto em utilizar essa medicações”, afirma.
Assim, era culturalmente aceitável que só as mulheres sofressem com os efeitos colaterais — por mais que isso fosse misógino. Mas, agora, a vez dos homens terem um contraceptivo está mais próxima do que nunca.
O “Diu Masculino” a base de gel
A empresa de biotecnologia Contraline, sediada nos Estados Unidos, está testando um novo tipo de contraceptivo masculino — o Adam — semelhante a uma vasectomia, mas projetado para ser totalmente reversível. O procedimento já foi realizado com segurança e com sucesso em 23 homens em um teste de estágio inicial.
O procedimento utiliza um gel à base de água, que é injetada no canal deferente – que transporta espermatozoides maduros. Dentro de 30 dias após a inserção, o gel levou a uma redução de quase 100% no número de espermatozoides móveis, de acordo com a empresa.
Em uma vasectomia, o canal é cortado e selado para que os espermatozoides não possam viajar dos testículos para a uretra. Já o método da Contraline envolve aplicar uma anestesia local, fazer um pequeno furo no escroto e usar um injetor manual para empurrar o hidrogel por meio de um cateter conectado ao ducto deferente. O cateter é então removido, e a perfuração se cura por conta própria. Tudo isso demora cerca de 20 minutos.
Uma vez injetado, o hidrogel destina-se a bloquear os espermatozoides para que não entrem no sêmen. Dessa forma, segundo a empresa, funciona como um filtro de café, no qual os espermatozoides são os grãos de café. Os “pequenos nadadores” não conseguem passar pelo filtro, somente o líquido da ejaculação.
O gel é projetado para se dissolver no final de sua vida útil — 2 anos. Agora o objetivo é lançar um teste, ainda este ano, para testar a reversibilidade. Depois disso, a Contraline planeja iniciar alguns testes decisivos nos EUA para conseguir a aprovação para ter o produto disponível no mercado por volta de 2027.
A empresa afirma que não houve casos relatados de eventos adversos graves. Alguns pacientes tiveram hematomas leves ou inchaços nos dias seguintes ao procedimento, mas esses casos foram leves e desapareceram rapidamente.
Porém, mais testes precisam ser conduzidos para constatar se não haverá mais reações adversas significativas. Uma injeção no ducto deferente pode ter o risco de infecção na pele e desconforto. E ainda existe a questão sobre o desconhecimento do gel em si. Embora os hidrogéis sejam biocompatíveis e geralmente seguros, existe a possibilidade do procedimento causar cicatrizes permanentes ou alterações no ducto deferente.
Dilemas comerciais
Marcelo Horta Furtado explica que questões específicas do mercado farmacêutico atrasam — ou ainda impedem — que contraceptivos masculinos sejam lançados. “Os fabricantes de contraceptivos já existentes têm medo da patente ser quebrada. Porque, principalmente nos medicamentos à base de hormônios, apenas um radical do composto é modificado para produzir o novo medicamento”.
Esse problema soma-se ao fato de já existir um mercado poderoso de contraceptivos femininos. “Ao lançarem contraceptivos masculinos, a indústria tem medo de perder parte desse mercado que eles já possuem. Economicamente, não faz sentido substituir um pelo outro e ainda investir uma quantidade expressiva de dinheiro para fazer isso”, afirma o médico.
Dilemas éticos
Pode parecer um pouco demorado o tempo em que a indústria está desenvolvendo esses contraceptivos. Marcelo acredita que o primeiro pode chegar ao mercado em aproximadamente 5 a 10 anos. Mas isso tem um motivo: os estudos clínicos que envolvem a reprodução humana devem ser conduzidos com um teor regulatório muito mais rígido.
“Você não pode fazer grupo cego, por exemplo. Imagina, você dá o placebo para um casal que não quer engravidar e dá remédio para outro casal que quer engravidar. Aí depois compara os dois grupos para ver a eficiência do medicamento”, exemplifica o especialista.
Por isso, hoje em dia, existem órgãos reguladores como a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa em seres humanos) que visa assegurar a integridade e dignidade dos participantes de pesquisa. Coisa que estava longe de existir na década de 1960, e as mulheres pagaram um preço altíssimo — tendo que lidar com os mais cruéis efeitos adversos das pílulas. Dessa forma, a rigidez com os testes atuais representa um grande avanço na ética científica.
Outras opções
Enquanto isso, há outras formas de controle de natalidade masculino em desenvolvimento, mas algumas delas ganham destaque. Os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e o Population Council, uma organização sem fins lucrativos internacional focada em saúde e ciências sociais, estão testando um gel à base de hormônios que os homens aplicam diariamente nos ombros para bloquear a produção de espermatozoides.
E, em dezembro, um pequeno teste foi lançado no Reino Unido para testar uma pílula conhecida como YCT-529 — um contraceptivo sem hormônios — desenvolvida pela YourChoice Therapeutics. Ela impede a produção de espermatozoides bloqueando o acesso à vitamina A — componente essencial para o processo de espermatogênese. Segundo a empresa, o ensaio clínico deve acontecer até meados de 2024.