Desde que os imunizantes contra a Covid-19 entraram em teste, ainda no primeiro ano da pandemia, ficou claro para a ciência que as crianças seriam as últimas a ser vacinadas. Um conjunto de fatores evidenciava esse caminho. Dados iniciais apontavam que a doença não causava quadros graves ou mortes em crianças com a mesma força observada em adultos. Por isso as pesquisas caminharam para a proteção dos mais vulneráveis até que chegasse a vez dos pequenos.
Houve, do início do surto para cá, mudanças seminais. Os maiores de 5 anos já podem ser vacinados. Agora, discutem-se os passos para que os menores, a partir de 6 meses, sejam também imunizados. Há movimentos das empresas farmacêuticas, agências regulatórias e pesquisadores nesse sentido. Recentemente, a empresa americana Moderna submeteu ao Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador dos Estados Unidos, e à Agência Europeia de Medicamentos (EMA) pedido para uso de sua vacina em crianças de 6 meses a 6 anos. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deverá receber a solicitação ainda neste semestre. A Moderna embasa o requerimento em estudos que teriam demonstrado forte resposta de defesa imunológica contra o coronavírus também entre esse grupo etário.
O comunicado veio dois meses depois que a Pfizer e a BioNTech iniciaram um processo de apresentação contínua ao FDA de resultados de estudos sobre a versão pediátrica de seu imunizante para a faixa de 6 meses a menores de 5 anos, incluindo os que analisam o efeito de doses de reforço. A decisão de aguardar esses dados decorre do entendimento de muitos especialistas de que o esquema vacinal seria hoje considerado completo depois de três doses, e não mais com duas doses, em razão da queda da proteção com o passar do tempo. Até por isso mesmo, na terça-feira 17, a agência regulatória americana liberou o reforço do imunizante da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos.
No Brasil, as conversas mais avançadas envolvem a CoronaVac, autorizada para crianças com mais de 6 anos. O Instituto Butantan, responsável por sua fabricação no país, pede desde março à Anvisa a ampliação de uso em pequenos de 3 a 5 anos. A espera deixa os pais aflitos. Um deles é o servidor público Fábio França, de 39 anos, que tem duas filhas, de 4 e 5 anos. Há dois meses, ele iniciou um abaixo-assinado on-line pela liberação do imunizante e, a cada negativa, sente-se frustrado. “Há novas ondas de Covid-19 e as crianças ficaram para trás”, diz.
Não há, contudo, consenso científico de que os pequenos precisem ser vacinados, apesar de levantamentos preocupantes. De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz, 45% das 1 207 mortes pela doença em 2020 na população com até 17 anos foram registradas em bebês com menos de 2 anos. Um artigo publicado na semana passada na revista científica Nature, por exemplo, questiona a efetividade da medida. Depois de analisarem estudos de eficácia de vacinas de vírus vivo inativado, incluindo a CoronaVac, em crianças com mais de 3 anos, os cientistas consideraram os resultados positivos, mas ponderaram que os benefícios podem não justificar os custos que seriam necessários para imunizar os menores de 5 anos. “A menos que as vacinas prevenissem sintomas leves e moderados, responsáveis por 99% dos casos, o que não ficou demonstrado, é muito difícil justificar a vacinação desse grupo etário”, escreveram os autores. Outros, no entanto, defendem a proteção. “Não se vacina só para prevenir morte. Temos vacinas para caxumba, rubéola e gripe porque há sequelas, dor, internação”, afirma Renato Kfouri, da Sociedade Brasileira de Pediatria. “Precisamos imunizar todas as faixas etárias.”
Até agora, apenas 33% dos brasileiros entre 5 e 11 anos estão totalmente vacinados. Essa fila tem de andar mais rapidamente. Enquanto não sai a decisão final em relação aos menores, é fundamental seguir com a vacinação dos mais velhos.
Publicado em VEJA de 25 de maio de 2022, edição nº 2790