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Depois de décadas silenciada, a menopausa aquece novo mercado de tratamentos

Com inédita força, o marco do fim da vida reprodutiva ecoa em livros, séries de TV, gôndolas de farmácias e clínicas

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 abr 2025, 16h43 - Publicado em 24 abr 2025, 06h00

Não há mulher mais poderosa na sociedade do que aquela que passou dos 45 anos. A mesmíssima mulher cujo corpo encara uma revolução com o encerramento da produção dos hormônios da fertilidade. E justamente aquela que está no auge da carreira e pode investir, com tempo e dinheiro, em soluções para manter seu bem-estar. Empoderada, a cidadã na menopausa hoje está sob holofote, tornando-se o centro das atenções de uma indústria que abrange de suplementos e remédios a cosméticos, e não para de galgar espaço à medida que as vozes e demandas de celebridades se somam à causa — da brasileira Fernanda Lima, de 47 anos, à americana Halle Berry, de 58. Foi-se o tempo em que elas sofriam caladas, inclusive dos sintomas típicos dessa fase da vida, como ondas de calor, nevoeiro mental e insônia. Se um dia essa população foi esquecida e negligenciada, agora já não pena tanto com tabus e preconceitos, e pode desfrutar de produtos e serviços para atender às suas demandas.

Agora, com inédita força, o marco do fim da vida reprodutiva ecoa em livros, séries de TV, gôndolas de farmácias e clínicas que oferecem suporte de nutricionistas, psicólogos e médicos para um momento de transição no organismo. Diferentemente do que ocorria no passado, a ciência e a sociedade passaram a reconhecer a existência de necessidades específicas entre as mulheres que buscam se manter saudáveis e ativas profissionalmente em um período que, entre os primeiros e últimos sinais, costuma ir dos 45 aos 55 anos. “Hoje a mulher chega muito bem à menopausa, está plena e já não perde em nada para quem está na casa dos 30 anos”, diz o ginecologista Rogério Bonassi, diretor da Associação Brasileira de Climatério (Sobrac). “Ela só não quer deixar que os sintomas a prejudiquem.”

arte menopausa

Um olhar para o passado nos mostra que a medicina já esboçava, desde o início do século XX, algumas tentativas de tratamento para o climatério — o nome oficial do período, uma vez que a menopausa em si se refere, a rigor, à ausência de menstruação por doze meses. No entanto, eram estratégias rudimentares, caso de formulações derivadas de ovários de vacas ou extratos feitos com urina de gestantes. Apenas em 1923 ocorreu o isolamento do estrogênio, a chave para o entendimento do processo todo, e ele foi sintetizado como medicamento dez anos depois. É o declínio desse hormônio que explica as modificações no corpo durante a menopausa, como acúmulo de gordura e os famigerados fogachos, marcados pelos episódios de calorão seguido de calafrios.

A partir da década de 1950, houve uma fornada de moléculas e o início da ascensão da terapia de reposição hormonal. A ideia: devolver o hormônio, em sua versão sintética, para equilibrar o organismo. Essa tática se popularizou até que, em 2002, um grande estudo americano, com mais de 16 000 mulheres, constatou um ligeiro aumento nos casos de câncer de mama entre pacientes que se submetiam a ela. A partir daí, mesmo com as ponderações levantadas pelos especialistas, um silêncio controverso voltou a pairar sobre o tema.

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Em pleno século XXI, uma análise de livros usados em cursos de medicina globalmente apontou que cerca de 60% deles nem sequer citavam o climatério e 12% se satisfaziam com menos de um parágrafo a respeito. Ocorre que a reposição hormonal tem suas indicações e contraindicações — como qualquer terapia — e não faz sentido deixar mulheres padecendo de sintomas físicos e mentais sem oferecer nenhum apoio. E não são poucas aquelas que podem necessitar dele. Hoje estima-se que 985 milhões de mulheres pelo mundo encarem a menopausa, número que deve chegar a 1,65 bilhão em 25 anos.

NAS FARMÁCIAS - Novo remédio para ondas de calor sem ação hormonal: aprovação nos EUA e previsão de chegada ao Brasil no fim do ano
NAS FARMÁCIAS – Novo remédio para ondas de calor sem ação hormonal: aprovação nos EUA e previsão de chegada ao Brasil no fim do ano (./Divulgação)

Os ventos começaram a mudar efetivamente em 2022, quando uma nova e robusta revisão de estudos concluiu que, quando indicada no momento e pelo período certos, a reposição hormonal reduziria fogachos, ressecamento vaginal, perda de massa óssea e até o risco de câncer de intestino — a propensão a tumores mamários foi apontada, mais uma vez, como baixa. Para colher os benefícios e minimizar perigos, os experts entraram em um consenso de que a terapia deveria ser feita antes dos 60 anos e por uma janela de no máximo uma década após a menopausa — é apenas contraindicada em casos de histórico pessoal ou familiar de câncer de mama e ovário.

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Nessa guinada, o movimento se espraiou para além da reposição. Hoje mobiliza o desenvolvimento de novos medicamentos, suplementos e dermocosméticos. Um mercado estimado em 17,6 bilhões de dólares no ano passado, que pode alcançar 27,6 bilhões de dólares em menos de dez anos. A largada na indústria farmacêutica foi dada com remédios sem hormônio na fórmula. Exemplo disso é o inovador fezolinetant, do laboratório Astellas, aprovado nos Estados Unidos para apagar as ondas de calor que afetam 80% das mulheres, especialmente aquelas que não podem usar hormônios — ele aguarda liberação no Brasil. Nessa fila entra outra terapia não hormonal, esta criada pela Bayer, que visa a suprir lacunas terapêuticas e aguarda aval dos órgãos regulatórios. “Temos um buraco de quase vinte anos entre esse cenário de escassez e a revolução atual”, afirma Rodrigo Rodrigues, gerente-médico da linha de saúde feminina da Bayer.

Na busca por saídas seguras, nem é preciso esperar por novidades. Hoje se sabe que a combinação de hormônios (o estrogênio com a progesterona) é uma boa pedida para evitar o crescimento do tecido que reveste o útero e ajudar a evitar problemas por ali. Dessa forma, dispositivos intrauterinos (DIU) despontam como uma alternativa para mulheres que precisam de reposição e querem uma solução de médio prazo, visto que o produto, inserido via região genital, dura cerca de cinco anos.

SOB DEMANDA - Clínicas para 40+: acolhimento da saúde física à mental
SOB DEMANDA – Clínicas para 40+: acolhimento da saúde física à mental (E+/Getty Images)
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Isso não quer dizer que cuidados não devem ser tomados. Assim como em outras áreas, há perigos escondidos em tratamentos promissores e os hormônios estão longe de ser inócuos. O principal alerta reside nos “chips da beleza”, proibidos por seus impactos deletérios à saúde e vendidos por aí inclusive com a ideia de combater sintomas do climatério. “Não existe chip tampouco suplementação específica para tratar a menopausa”, enfatiza Bonassi.

Nesse novo horizonte, nascem também espaços dedicados às mulheres acima dos 40 anos, que se aproximam do climatério ou já o atravessam. Na capital paulista, acaba de ser inaugurada a clínica AVA Mulher, por exemplo. Em um ambiente pensado para acolher os anseios e as necessidades desse público, o centro multiprofissional busca abordar as transformações hormonais sem se esquecer da saúde física, mental e sexual — receita seguida por outras clínicas no país. No território da beleza, por sua vez, os dermocosméticos miram cada vez mais esse público. O conceito em alta é o do pró-aging, em contraponto ao anti-aging. O mantra é focar em cuidados e produtos para a pele capazes de prevenir e suavizar as marcas do tempo sem propostas radicais ou artificiais. É na mesma direção, aliás, que ganham força linhas de cápsulas e vitaminas. “Tudo isso faz parte da tendência de fortalecer a questão do bem-estar, pois, assim como as gestantes têm certas necessidades, as mulheres da menopausa terão as delas”, diz Silvia Ruiz, fundadora da marca Re-Age.

Apesar dos progressos, ainda há barreiras a superar, sobretudo nas relações no ambiente de trabalho. Por mais que existam empresas já oferecendo suporte a mulheres na menopausa, elas ainda são bastante impactadas e desassistidas. Uma pesquisa encomendada pela Astellas com 2 000 brasileiros de ambos os sexos e 300 mulheres que vivenciaram o período mostrou que 80% das profissionais não receberam apoio no emprego e somente 29% tinham abertura para dialogar com os superiores sobre o que passavam. A questão é que medidas por vezes triviais resolveriam parte dos problemas. “Já existem cartilhas de entidades médicas voltadas para o local de trabalho que recomendam que os escritórios tenham ar-condicionado, o que ajuda contra os fogachos”, exemplifica Maria Celeste Wender, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Entre avanços e obstáculos, finalmente vai se consolidando a certeza de que a vida não para com a menopausa.

Publicado em VEJA de 25 de abril de 2025, edição nº 2941

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