Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o número de adultos com diabetes tipo 2 quadruplicou nas últimas quatro décadas, passando de 108 milhões de pessoas em 1980 para 422 milhões atualmente. No Brasil, a porcentagem de pessoas com a doença passou de 5% para 8,1% no mesmo período. Em 2014, foram 71.700 mortes causadas no país pela doença.
O diabetes tipo 2 ocorre quando o organismo de uma pessoa torna-se resistente à insulina, o hormônio que controla os níveis de glicose no sangue. O excesso de peso é um fator de risco importante para a doença. Em geral, a doença é controlada por meio da aplicação de injeções de insulina e de outros medicamentos. Mas, nos últimos anos, diversas linhas de pesquisa têm analisado o papel da cirurgia bariátrica ou metabólica, popularmente conhecida como redução de estômago, para o controle eficaz da doença em longo prazo.
Tanto que, uma diretriz assinada por 45 entidades mundiais, entre elas a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), publicada no primeiro semestre de 2016 na revista Diabetes Care, aponta a operação como uma opção a ser considerada no tratamento do diabetes tipo 2 para pacientes com índice de massa corpora (IMC) entre 30 e 35.
Entretanto, no Brasil, a diretriz do Conselho Federal de Medicina (CFM) indica o procedimento apenas para pacientes obesos (com IMC igual ou maior 35) e diabetes ou outras doenças associadas. Isso porquê, a maioria dos estudos observou benefícios da cirurgia bariátrica ou metabólica em pacientes com essas especificações.
Segundo Márcio Mancini, membro do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), que defende a recomendação do CFM, nenhuma cirurgia bariátrica – aprovada ou experimental – tem documentação robusta de eficácia e segurança em pacientes com IMC menor do que 35. “Não se pode extrapolar os benefícios vistos em obesos mórbidos para pessoas mais magras. Os riscos e resultados podem ser diferentes”, afirma o especialista.
Riscos
Um dos riscos associados à cirurgia metabólica é a perda de massa óssea. “Uma pessoa obesa tem aumento de massa óssea e isso de certa forma a ‘protege’ da perda associada à operação. Por outro lado, pacientes obesos leves ou com sobrepeso podem ter essa perda e apresentar complicações, como fraqueza e fraturas cerca de 10 a 15 anos depois. Isso não está documentado [pois não existem estudos tão longos com esses pacientes], mas é uma possibilidade”, diz Mancini.
Outros riscos são a possibilidade de desnutrições como anemia e deficiência de vitaminas e minerais; e a volta da doença caso o paciente engorde, mesmo que poucos quilos. “Quando operamos um obeso mórbido, existe a remissão do diabetes, mas a doença pode voltar se ele recuperar o peso. Quando se opera pessoas mais magras, existe a possibilidade de uma recuperação de poucos quilos, por exemplo só dois ou três quilos trazer o problema de volta”, explicou o médico.
Tratamentos disponíveis
Mancini ressalta ainda que existe uma série de novos medicamentos contra o Diabetes tipo 2. Além do controle da doença, alguns deles mostram redução de mortalidade cardiovascular, um benefício que a cirurgia ainda não mostrou em pacientes com IMC menor que 35. “Quem opta pela cirurgia, troca um tratamento bom, aprovado e com benefícios, por um incerto”.
Aumento de cirurgias bariátricas no país
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), o número de cirurgias bariátricas no Brasil aumentou 7,5% em 2016 em comparação com o ano de 2015. Os dados e apontam que, no ano passado, cerca de 100.512 pessoas fizeram a cirurgia, contra 93.500 em 2015. O Brasil é considerado o segundo país do mundo em número de cirurgias realizadas e as mulheres representam 76% dos pacientes.
Para o Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, Caetano Marchesini, o aumento no número de procedimentos pode estar relacionado ao crescimento da obesidade no Brasil e também com as novas regras do CFM – Conselho Federal de Medicina para realização de cirurgia bariátrica, como a redução do IMC e a idade mínima para a realização da cirurgia.
Polêmica
A polêmica da cirurgia bariátrica como tratamento para diabetes veio à tona recentemente após o senador e ex-jogador de futebol Romário contar que foi submetido a uma cirurgia bariátrica experimental para controlar o diabetes. O procedimento de Romário foi contestado por especialistas pelo fato dele supostamente não se enquadrar nos critérios aprovados pelo CFM (IMC igual ou superior a 30) e pelo tipo de cirurgia realizado.
Romário foi submetido a um procedimento chamado interposição ileal. O procedimento reduz em 80% a capacidade do estômago e aproxima o órgão ao íleo, porção final do intestino delgado, o que estimula a secreção de insulina pelo pâncreas, diminuindo o diabetes. No entanto, no Brasil, a operação só é regulamentada pelo CFM para o tratamento de casos de obesidade mórbida. O conselho não reconhece a técnica para o tratamento de doenças metabólicas, como o diabetes. Nestes casos, o procedimento pode ser realizado, desde que em caráter experimental.
Isso significa que a técnica deve ser realizada sob protocolo de pesquisa, sob a supervisão de Comissões de Ética em Pesquisa (CEP) e/ou Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
Entidades médicas
SBCBM
“A Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) tem em uma de suas missões esclarecer o público quanto à indicação, segurança e resultados da cirurgia metabólica para o tratamento do diabetes do tipo 2 não controlado apesar do melhor tratamento clínico.
Em 1991 quando o Instituto Nacional de Saúde (NIH) Norte Americano definiu as indicações para cirurgia, para perda de peso em índices de massa corpórea acima de 35kg/m2, estas determinações na época influenciaram diversas agências reguladoras pelo mundo, incluindo o Conselho Federal de Medicina (CFM).
A SBCBM respeita e orienta seus associados a seguir a resolução do Conselho Federal de Medicina n° 2.131/2015 que regulamenta a indicação da cirurgia bariátrica.
A partir de 2007 inúmeras publicações científicas vêm demonstrando os resultados da cirurgia gastrointestinal no tratamento do diabetes tipo 2 não controlado. Baseados nestes estudos esclarecemos que:
a) Toda intervenção médica, incluindo clínicas e cirúrgicas tem seus riscos e benefícios, podendo ocorrer complicações graves e mesmo desfechos fatais. As operacões bariátricas têm índices de mortalidade de 0,3%, semelhante a uma simples retirada da vesicula biliar ou cesariana, o que se traduz em muita segurança.
b) Existem mais de 30 importantes publicações que demonstraram decréscimo de eventos cardiovasculares com ou sem morte (derrames e infarto) e diminuição da incidência de câncer com até 25 anos de seguimento após cirurgias bariátricas/metabólicas.
c) Somente dois estudos de relevância demonstraram diminuição de mortes de causas cardíaca com tratamento medicamentoso. Temos que lembrar que estas drogas podem apresentar efeitos colaterais severos como câncer de tiroide, pancreatite, cetoacidose de difícil reversão dentre outras, além de mortalidade, situações inerentes aos tratamentos médicos em geral.
d) Existem diversos estudos que compararam cirurgia metabólica versus o melhor tratamento clínico em pacientes com IMC desde 27,5 kg/m2 com até 5 anos de seguimento. Nestes estudos foram demonstrados melhores resultados com a cirurgia acrescida de tratamento clínico e diminuição importante dos índices de risco cardiovascular. Também nas publicações científicas há incontáveis séries prospectivas, nacionais e internacionais, em que se obteve excelentes resultados relativos ao controle do diabetes e perda de peso com poucas complicações.
e) A transposição ileal é ainda considerada um procedimento experimental pelo CFM. Existem estudos em andamento para validá-la, porém, até lá não deve ser considerada opção terapeutica em qualquer IMC.
f) Entendemos ser inegável a melhora dos resultados com as novas opções de medicamentos, mesmo com seus riscos, mas é inquestionável atualmente que a cirurgia metabólica, associado ao tratamento clínico melhora consideravelmente os resultados.
Em setembro de 2015, um encontro de especialistas produziu uma diretriz de conduta que recomenda a cirurgia metabólica para o diabetes tipo 2 não controlado clinicamente. Estas diretrizes foram aprovadas por 49 Sociedades Médicas, dentre elas a SBCBM e a Sociedade Brasileira de Diabetes. Sabe-se que um número considerável dos pacientes com diabetes tipo 2, mesmo com o melhor tratamento clínico, não tem sua doença controlada. Estes dados estão publicados na revista da Sociedade Americana de Diabetes (ADA) desde maio de 2016, juntamente com outras importantes comunicações científcas respaldando o papel da cirurgia para o tratamento do diabetes em pacientes com IMC a partir de 30 kg/m2.
g) A SBCBM, em conjunto com o Colégio Brasileiro de Cirurgiões e Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva está auxiliando o CFM trazendo evidências científicas para promover o melhor para os pacientes. Afinal, o órgão traz um belo histórico de luta em prol dos interesses da saúde e do bem estar do povo brasileiro, sempre voltado para a adoção de políticas de saúde dignas e competentes, que alcancem a sociedade indiscriminadamente.”
Sbem e Abeso
“Devido à grande repercussão sobre a cirurgia bariátrica realizada no Senador Romário, ex-jogador de futebol, para o tratamento do diabetes tipo 2, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) e Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso) vêm a público reforçar que:
1- Não existem evidências científicas robustas e de longo prazo que comprovem a segurança e eficácia de cirurgia bariátrica no tratamento de diabetes tipo 2 para pacientes com IMC abaixo de 35 kg/m2, considerando quaisquer técnicas cirúrgicas, regulamentadas ou não regulamentadas.
2- A Sbem e a Abeso participam da Câmara Técnica de Cirurgia Bariátrica e Metabólica do Conselho Federal de Medicina (CFM) e lançaram, no ano passado, um Posicionamento Oficial em conjunto com Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) sobre o tema.”