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Estudo aponta traumas que levam brasileiro a ter estresse pós-traumático

Entre os gatilhos relatados, estão testemunhar alguém sendo ferido ou morto e ser assaltado ou ameaçado com uma arma

Por Maria Fernanda Ziegler, da Agência Fapesp
4 jan 2023, 12h42

Estudo divulgado no Journal of Psychiatric Research revela que na Região Metropolitana de São Paulo 1,6% da população diz ter sofrido de estresse pós-traumático nos últimos 12 meses e 3,2% já vivenciaram o problema ao longo da vida. Embora os resultados indiquem uma baixa prevalência do transtorno, eles alertam para o grande número de casos subsindrômicos, ou seja, aqueles em que a pessoa não apresenta todos os sintomas que configuram o transtorno, mas fica no limiar.

“O conceito de transtorno pós-traumático foi desenvolvido com base em casos de guerra, em que os indivíduos apresentavam sintomas muito graves. O Brasil é um país muito violento, mas não está vivenciando uma guerra civil. Em comparação com outros países, como Estados Unidos, por exemplo, temos uma prevalência baixa. No entanto, observamos muitos casos que são chamados de subsindrômicos e que merecem atenção”, explica Wang Yuan Pang, pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) que coordenou o levantamento. Segundo Wang, o índice de exposição a eventos traumáticos foi elevado, chegando em alguns casos a superar 35% da amostra.

O estudo contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e foi o primeiro a avaliar a Região Metropolitana de maneira sistemática, com uma amostra representativa da população. Ao todo, foram incluídos 5.037 voluntários adultos. A iniciativa integra uma pesquisa maior, intitulada The São Paulo Megacity Mental Health Survey, conduzida no âmbito do consórcio internacional World Mental Health (WMH), coordenado pela Organização Mundial de Saúde e pela Universidade Harvard (Estados Unidos), com mais de 20 países participantes.

Wang explica que o transtorno de estresse pós-traumático é uma condição de saúde mental desencadeada por um evento aterrorizante, que pode ter sido vivenciado ou apenas testemunhado. “O primeiro critério é a pessoa ser vítima de um trauma e só o tempo pode fazer a distinção entre o estresse agudo e o crônico, que persiste por mais de seis meses. O transtorno de estresse pós-traumático consiste em vários sintomas, como pesadelos, ansiedade grave, lembranças repentinas da cena traumática [flashbacks]. Além disso, é comum que a pessoa evite alguns comportamentos para fugir de situações que trazem alguma lembrança do evento traumático”, explica.

Segundo o pesquisador, a intensidade e a frequência desses sintomas também são aspectos relevantes. “São pessoas que estão muito sobressaltadas, que têm reações exageradas a vários estímulos e com ansiedade e depressão subsequente. Esses sintomas são sentidos todos os dias. É um problema altamente disfuncional, a pessoa não consegue trabalhar e levar uma vida minimamente satisfatória. Vale ressaltar que os casos subsindrômicos também podem ser disfuncionais”, diz.

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Estudos semelhantes feitos em outros países em desenvolvimento indicaram uma prevalência mais baixa de estresse pós-traumático (ao longo da vida): 0,7% no Peru, 1,5% no México e 1,8% na Colômbia – sendo que na cidade de Medellín, que chegou a ser considerada uma das cidades mais violentas do mundo nas décadas de 1980 e 1990, o índice salta para 3,7%.

No continente africano, onde estudos populacionais em larga escala são escassos, a prevalência desse transtorno na amostra foi quase nula. Na África do Sul, a prevalência ao longo da vida foi de 2,3% e, nos últimos 12 meses, de 0,7%.

Gatilhos para o estresse pós-traumático

Entre os traumas mais relatados no estudo brasileiro, estão o ato de testemunhar alguém sendo ferido ou morto, ou ver um cadáver inesperadamente (35,7%) e ser assaltado ou ameaçado com uma arma (34,0%).

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Já os eventos mais comuns para os casos subsindrômicos foram “morte súbita e inesperada de um ente querido” (34%), “violência interpessoal” (31%) e “ameaças à integridade física de outras pessoas” (25%).

O estudo mostrou que experiências relacionadas à violência interpessoal apresentaram uma maior probabilidade para o desenvolvimento do transtorno de estresse pós-traumático. Dessa forma, eventos como ser assaltado ou molestado sexualmente (21,2% no total, sendo praticamente todos os casos entre mulheres) e ser estuprado (18,8% no total; sendo 18,4% para mulheres e 20,1% para homens) foram as duas experiências com maior chance de desencadear um quadro de estresse pós-traumático.

“É possível que alguns grupos de pessoas tenham maior chance de desenvolver o transtorno do que outras. Com os resultados do estudo, podemos observar, por exemplo, que há um recorte importante de gênero. O Brasil é um país violento e com alto índice de violência doméstica, sobretudo contra as mulheres, que estão mais propensas a desenvolver o transtorno de estresse pós-traumático após a exposição a esses eventos”, afirmou Bruno Mendonça Coêlho, pesquisador do Instituto de Psiquiatria e primeiro autor do estudo.

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Tratamento adequado

Wang ressalta que, em termos de saúde pública, o transtorno de estresse pós-traumático tem uma prevalência muito menor do que a das crises de ansiedade, pânico, ansiedade social ou a da depressão – condições que somadas acometem quase 20% da população. No entanto, de acordo com o pesquisador, é importante que estudos futuros busquem identificar onde estão as pessoas que sofrem de estresse pós-traumático, para que recebam atendimento adequado.

Em trabalhos anteriores, o pesquisador verificou o acesso à saúde mental na Região Metropolitana de São Paulo, incluindo todos os transtornos. “Levando em consideração os casos muito graves de depressão, pânico, ansiedade e outros transtornos, estimamos que aproximadamente 1 milhão de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo necessitam de tratamento especializado. Porém, somente 10% dos pacientes muito graves conseguiram receber algum tipo de atendimento, seja no serviço público ou no setor particular. Isso mostra que existe uma lacuna enorme na assistência”, afirma.

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