O número é alarmante: cerca de um terço de todas as mortes de pessoas ocorridas anualmente no planeta resulta de doenças cardiovasculares. A causa predominante é a aterosclerose, nome técnico dado à formação de placas de gordura nas artérias. Nessa situação, a passagem do sangue fica dificultada, o que pode levar a infartos e derrames. O intrigante é que, embora ponham fim à vida de tantos humanos, doenças cardíacas são raríssimas em outros animais. Na segunda-feira 22, cientistas da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos, publicaram um artigo em que indicam ter decifrado esse enigma.
O estudo, veiculado no prestigioso periódico americano Proceedings of the National Academy of Sciences, sugere que a perda de um gene no DNA de um ancestral humano foi o que nos tornou tão propensos aos males do coração. Aproximadamente entre 2 e 3 milhões de anos atrás, quando andavam pela Terra os Australopithecus e os Homo habilis, uma mutação genética teria eliminado o gene CMAH de um dos nossos antepassados — e os Homo sapiens herdaram a deficiência. O problema é que o CMAH, presente em outros animais, servia justamente para regular uma série de aspectos bioquímicos. Inclusive, o acúmulo de gordura.
Para chegarem a essa conclusão, os pesquisadores realizaram testes em ratos. Os roedores tiveram o DNA modificado em laboratório com o objetivo de interromper a produção de uma molécula, a Neu5Gc — processo comandado pelo gene ausente em humanos. Com isso, o depósito de gordura nos vasos sanguíneos dos animais aumentou. Já a eliminação total do tal gene fez com que a severidade da aterosclerose nos ratos praticamente dobrasse.
As desvantagens da falta do gene são claras. Mas houve algum ganho, do ponto de vista evolutivo, na mutação que afetou nossos ancestrais 3 milhões de anos atrás? “Uma possibilidade é que a perda desse gene possa ter nos protegido de um tipo de malária que infectava chimpanzés e usava a molécula Neu5Gc como porta de entrada para o corpo”, disse a VEJA o médico Chirag Dhar, da Universidade da Califórnia em San Diego, um dos autores do estudo. Além disso, há teorias que defendem a ideia de que o maior acúmulo de gordura na barriga, apesar de não ser esteticamente apreciado, foi vantajoso em outras situações: ajudou os seres humanos a se proteger do frio e a acumular energia para ocasiões em que faltava comida. Hoje, em condições menos inóspitas, virou uma fraqueza.
Publicado em VEJA de 31 de julho de 2019, edição nº 2645