Estudo investiga impacto dos antidepressivos no agravamento da demência; entenda
Investigação ainda é preliminar e sugere que médicos devem monitorar declínio cognitivo de pacientes utilizando algumas classes desses medicamentos

A relação entre condições neurológicas e psiquiátricas sempre pareceu evidente entre especialistas. Há décadas pesquisadores apontam que pacientes com depressão, por exemplo, têm maiores chances de desenvolverem demências. O contrário também é verdadeiro. Mas será que o tratamento de um deles pode, de alguma maneira, interferir na progressão do outro? É o que uma investigação científica tentou responder.
O resultado foi publicado nesta terça-feira, 25, no periódico científico BMC Medicine e revelou que algumas classes de antidepressivos podem estar associadas a um agravamento do declínio cognitivo em pacientes com demência. “Os resultados não foram completamente surpreendentes”, disse a VEJA a autora do estudo e pesquisadora do Instituto Karolinska, na Suécia, Sara Garcia‑Ptacek.
De acordo com ela, isso era esperado porque alguns antidepressivos têm efeito anticolinérgico, ou seja, agem inibindo um sistema de neurotransmissores que, entre outras funções, atuam na retenção de memória. Não por acaso, o maior declínio cognitivo foi observado com apenas um classe desses medicamentos, os chamados inibidores seletivos da recaptação de serotonina. Outros tipos de antidepressivos não apresentaram a mesma correlação.
Pacientes com demência devem parar de tomar antidepressivos?
De acordo com todos os especialistas consultados, a resposta é categórica: não. “O artigo mostra que os médicos devem tomar cuidado com o uso indiscriminado de medicações em pacientes idosos em processos demenciais, além de sugerir que esses pacientes precisam ser monitorados mais de perto”, diz Diogo Haddad, chefe do Centro Especializado em Neurologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “Mas podemos dizer com certeza que o efeito de uma depressão não tratada nestes pacientes certamente terá um efeito negativo maior do que o provocado por antidepressivos.”
É importante ressaltar ainda que esse é um estudo preliminar. Para fazer o levantamento, os pesquisadores analisaram dados de cerca de 18,7 mil pacientes suecos entre 2008 e 2017, mas se trata de um estudo associativo, que impede o estabelecimento de uma relação de causa e efeito. Ou seja, não é possível dizer se os antidepressivos estão causando o maior declínio cognitivo ou se pacientes com maior declínio cognitivo precisam desses antidepressivos com maior frequência.
De fato, mais estudos precisam ser feitos. Embora os resultados desta investigação sejam robustos, um estudo publicado em 2024 na revista Alzheimer & Dementia não encontrou a mesma correlação, enquanto uma outra pesquisa, publicada na The BMJ, mostrou que abordagens não farmacológicas podem ser mais úteis que as drogas no tratamento de sintomas de depressão em pacientes com demência.
“Doenças psiquiátricas são nebulosas porque elas dependem muito de critérios subjetivos, com testes que se baseiam no bem-estar do paciente, o que torna difícil saber se a pessoa está sendo bem tratada e como os sintomas estão evoluindo”, diz Mychael Lourenço, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e líder de um grupo de pesquisa que estuda Alzheimer apoiado pelo Serrapilheira. “Mas sem dúvidas esse é um trabalho importante que vai abrir novas frentes de investigação.”
E isso é justamente o que os autores da pesquisa querem fazer. “O aumento da serotonina em certas regiões do cérebro também pode resultar em alterações cognitivas. Ao mesmo tempo, diminuir os sintomas psiquiátricos, como ansiedade ou depressão, pode ajudar alguns pacientes a melhorar sua cognição”, explica Garcia‑Ptacek. “Estamos trabalhando para reunir mais coortes, nacionais e internacionais, para verificar essa descoberta e determinar quais pacientes se saem melhor com certos tratamentos. Isso seria um passo em direção à medicina personalizada e ajudaria a direcionar o tratamento.”