‘Feira sem Glúten’: conheça os mitos e verdades sobre intolerância à proteína
Evento com mais de 70 expositores oferece opções para pessoas que não podem consumir glúten; especialista conversa com VEJA sobre doença celíaca

Cortar o glúten já esteve no centro do modismo nutricional e ainda aparece em algumas recomendações inadequadas para “perder peso”, mas complicações ligadas à ingestão dessa proteína presente no trigo e outros cereais podem ser sinal da doença celíaca, condição autoimune que resulta em lesões no intestino delgado e sintomas como diarreia, distensão abdominal e deficiência de nutrientes. O fortalecimento da conscientização sobre a doença e a importância de alimentos seguros para esses pacientes estão na proposta da Feira sem Glúten, evento que chega à quarta edição neste domingo, 3, na capital paulista. Para abordar os mitos e verdades sobre o tema, VEJA ouviu a gastroenterologista Rafaela Dassoler, da Faculdade de Medicina do ABC, que alertou sobre a importância do diagnóstico antes de qualquer mudança na dieta.
A feira surgiu da relação de três mulheres com a condição. Uma das organizadoras, a publicitária Mônica Neves, de 59 anos, tem uma filha celíaca e conta que a decisão de organizar o evento veio da necessidade de ofertar um espaço seguro para os pacientes.
“A gente organizou a feira com o propósito de criar um ambiente de inclusão e acolhimento, porque a comida não tem um aspecto só biológico, ela é social e a gente achou que era importante um espaço onde os celíacos pudessem se encontrar e ter acesso a inúmeras opções de comidas sem a preocupação de ficar perguntando se tem contaminação cruzada, se é seguro”, relata. Segundo ela, o público tem aprovado a iniciativa. “Eles ficam muito felizes e dizem que é a Disneylândia dos celíacos.”
Para esta edição, realizada no Centro de Eventos São Luís, na Consolação, são esperados mais de 70 expositores que vão apresentar pães, biscoitos (e bolachas), pizza, pastel, yakissoba e outros pratos a cerca de 4 mil visitantes. Quem vive com outras restrições alimentares também será contemplado com alimentos livres de leite, ovos, soja e ingredientes de origem animal. O ingresso antecipado custa R$ 22 e, no dia, o valor será de R$ 26.
O que é o glúten?
Sabe aquele pão fofinho? Esse resultado é alcançado, em parte, por causa do glúten, uma proteína presente no trigo, centeio, cevada e derivados que confere maciez e elasticidade às massas.
Reações ao glúten
Embora seja comum falar que uma pessoa tem intolerância ao glúten, é importante saber que este é um sintoma e as reações ao consumir a proteína fazem parte de uma doença autoimune que causa lesões no intestino delgado. É algo que não tem tratamento medicamentoso e é causado por uma alteração genética que leva a resposta exagerada do sistema imunológico.
Por isso, é fundamental ter o diagnóstico para eliminar os ingredientes que desencadeiam esse processo e buscar opções que consigam suprir possíveis déficits nutricionais. E a constatação do quadro depende de exames específicos.
“Além de verificar os sintomas, a gente precisa solicitar exames de sangue, que são sorologias de rastreio para doença celíaca com marcadores sorológicos, e endoscopia com biópsia para o diagnóstico da doença”, explica Rafaela.
Segundo a gastroenterologista, pacientes que continuam se expondo ao glúten podem ter o agravamento dos sintomas intestinais e apresentar outros problemas causados pela doença, como anemia, osteoporose, quebra de dentes, elevação de enzimas hepáticas, ansiedade, depressão, dores de cabeça e complicações reprodutivas.
Mitos e verdades
Mais que um mito, é um erro excluir o glúten da dieta ao manifestar sintomas para atestar a doença celíaca. Isso porque a pessoa precisa estar exposta à proteína para os marcadores serem detectados nos exames.
“Antes de indicar que corte, precisa investigar, se tirar, o exame vai vir negativo. Só vai ter a sorologia confiável se estiver comendo ao menos um pão por dia por 30 a 45 dias.”
E o glúten engorda? “As pessoas têm a alimentação inadequada e culpam o glúten. Há uma moda de tirar o glúten para emagrecer, mas isso não está respaldado na literatura médica”, afirma Rafaela.
Quem pensa que não faz diferença riscar da dieta pão, massas, bolos e tudo mais com traços de glúten, precisa rever seus conceitos. “Pode gerar deficiência em nutrientes pelo risco de uma dieta pobre em fibras, vitamina B12, ferro, magnésio”, diz a gastroenterologista. “O que a gente mais vê com dietas de exclusão é o impacto psicológico e social, porque as restrições aumentam a ansiedade e reduzem a qualidade de vida.”
A verdade em relação ao glúten diz respeito a quem é diagnosticado com a doença celíaca: não é frescura e, sim, mesmo pequenas quantidades podem ter impactos negativos para a saúde. Daí vem a necessidade de evitar a contaminação cruzada, que pode ocorrer com a mistura de utensílios ou desconhecimento sobre rótulos.
É nesta linha que especialistas, associações de pacientes e eventos como a Feira sem Glúten têm trabalhado, pois os pacientes precisam se alimentar com a segurança de que os pratos não têm traços dessa proteína que pode ser substituída por opções igualmente saudáveis e saborosas.