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Governo federal ignora proposta de compra de vacina da Pfizer

Em entrevista a VEJA, Carlos Murillo, CEO da empresa, diz que a companhia está em negociação direta com estados brasileiros para compra do imunizante

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 mar 2021, 01h13 - Publicado em 14 out 2020, 18h05

A corrida para o desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus entra em sua fase final e a gigante americana Pfizer espera que o imunizante desenvolvido em parceria com a empresa alemã de biotecnologia BioNtech seja o primeiro aprovado.

Em estratégia única, ambiciosa e inovadora, as empresas iniciaram testes em humanos não de apenas uma, mas quatro opções de vacina, na expectativa de escolher a mais segura e eficaz. Entre elas, a BNT162b2 se mostrou mais eficaz e segura e avançou para a fase 3 de testes, realizada em 44.000 voluntários do mundo todo, incluindo 3.100 brasileiros.

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Em entrevista a VEJA, Carlos Murillo, CEO da Pfizer Brasil, e Márjori Dulcine, diretora médica da Pfizer Brasil, comentaram sobre as negociações com o governo brasileiro, os progressos nos estudos com a vacina, a previsão da divulgação de resultados preliminares e de que forma a recente alteração das exigências da FDA pode alterar o cronograma determinado pela empresa.

Em julho, o senhor revelou a VEJA o início da negociação com o governo brasileiro de um acordo de compra de doses da vacina da Pfizer. De lá para cá, essa negociação avançou?  Em agosto, depois de várias reuniões com integrantes do governo, incluindo do Ministério da Saúde e da Economia, a Pfizer fez uma proposta formal de fornecimento da vacina ao Brasil, sujeita à aprovação regulatória, claro. Essa proposta permitiria vacinar milhões de brasileiros e especificava um prazo para o governo nos responder. Mas nós nunca recebemos uma resposta formal do governo brasileiro, nem pelo sim nem pelo não. Pelo interesse da companhia de tentar fechar um acordo com o Brasil, principalmente por acreditar nos benefícios dessa tecnologia [a vacina da Pfizer uma plataforma inovadora, baseada em mRNA], após ter vencido o prazo, o CEO global da Pfizer mandou uma carta ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Saúde retomando a proposta e enfatizando a importância da companhia trabalhar com o Brasil. Tampouco recebemos resposta.

Mesmo tendo passado o prazo, ainda há possibilidade de um acordo com o governo? Quando fazemos uma proposta, nós reservamos a quantidade de doses negociada e colocamos um prazo para resposta porque se não temos uma sinalização de interesse, o mais correto é distribuir essas unidades para outros países. A vacina vem avançando bem e a companhia assumiu o risco de começar a produção de unidades antes da aprovação regulatória. Isso permite que a companhia já tenha milhões de doses disponíveis em 2020 e mais no início do ano. Por conta desses avanços, nossa posição foi negociar acordos de compra avançada com os governos, que permitam uma distribuição mais equitativa. Uma das coisas que sabemos, pela quantidade que nós conseguimos produzir, e também as outras empresas, é que, sobretudo nesta primeira etapa, não vai ter vacina suficiente para o mundo todo. Então essas negociações de compra avançada permitem seguir de maneira mais justa. Trabalhamos com diferentes governos para entender quais seriam os primeiros a receber a vacina e alocar o quantitativo necessário nos diferentes países. É assim que a companhia já assinou acordos com os Estados Unidos, Japão, Canadá, países da comunidade Europeia, Chile, Peru, Costa Rica, entre outros.

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A oferta inicial para o governo brasileiro previa a entrega de doses ainda este ano? Sim. A previsão de entrega era no final de 2020 e janeiro de 2021. É claro que isso estaria sujeito a aprovação regulatória da Anvisa.

Então não há mais vacinas disponíveis para o Brasil nesta primeira leva? Quando o governo federal não nos respondeu, a companhia nos autorizou a iniciar negociações em nível estadual. O objetivo da companhia é garantir que a vacina, sobretudo essas doses iniciais, possam chegar ao Brasil. Eu venho falando muito que seria muito ruim que as pessoas comecem a ser vacinadas em outros países e não no Brasil. Então, se o governo federal acha que já tem essa questão resolvida, temos avançado na discussão com vários estados. Com alguns estados, a negociação já esta mais avançada, o que significa que já fizemos uma oferta e estamos nesse processo de entender se essa oferta vai caminhar. Com outros, ainda estamos no início das conversas, na estimativa das quantidades. Mas as ofertas para os estados já consideram a entrega para começo de 2021 e não mais final de 2020. É importante ressaltar que iniciar a vacinação em janeiro é bastante diferente de vacinar em março ou abril. Pode parecer pouco tempo de diferença, mas o impacto desses três, quatro meses é, do ponto de vista econômico, milhões, e do ponto de vista de vidas, também é incalculável, na realidade. Uma das informações que nós temos mostrado às autoridades brasileiras é um estudo feito por uma empresa independente que mostra qual é o impacto, em termos positivos, de um mês de vacinação antecipada e o ganho que isso tem é imenso.

Se o governo federal responder, ainda há interesse? Temos interesse e sempre vamos ter porque o que nos interessa é que a vacina possa ser disponibilizada para os pacientes brasileiros. Agora a forma como isso avançaria, vai depender da disponibilidade de vacinas a nível global. O cenário que nós tínhamos para o governo brasileiro na oferta de agosto é diferente do que temos para outubro. Simplesmente porque muitos outros países já assinaram e as doses estão sendo distribuídas. Se amanhã, por exemplo, assinarmos com algum estado, por ordem de prioridade, temos que cumprir com esse estado antes de atender o governo federal. Então vai depender de quão avançados estão os acordos com os estados, o quão prontos estamos, o quantitativo de doses requerido e doses disponíveis. Como eu tenho dito muito veementemente às autoridades brasileiras, o tempo é essencial. Nós entendemos os esforços do governo brasileiro e a parceria com a AstraZeneca. Porém eu acredito que, neste momento, o país não pode apostar tudo em uma só alternativa. O que os países estão fazendo é ter opções. O Chile assinou com a Pfizer, com a Astrazeneca e com a Covax Facility. Com esses três acordos, o Chile já garantiu 30 milhões de doses, o suficiente para toda a sua população. Eu sei que 15 milhões de chilenos é muito menos do que 200 milhões de brasileiros. Mas o ponto aqui é: eles têm opções. Se uma não der certo, tem a outra e assim por diante. E se as três dão certo, tem a possibilidade de vacinar mais gente. Acredito que o Brasil teria que ter esse tipo de opção. Tem que ter a opção do Butantan, da Astrazeneca e também outros tipos.

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Qual é a opinião da Pfizer sobre transferência de tecnologia? Os processos de transferência de tecnologia não são fáceis. O que a Pfizer acredita é que a forma mais rápida de produzir o maior quantitativo possível, o mais rapidamente possível, é centralizar nas plantas que já têm base para produzir esta plataforma tão diferente. Porque é uma vacina diferente, com uma nova tecnologia que se continuar mostrando eficácia e segurança, provavelmente vai ser a plataforma e a forma de fazer vacinas no futuro. No entanto, como é uma tecnologia nova, a transferência desse conhecimento é mais lenta e a companhia decidiu  que numa primeira instância, tínhamos que focar na produção central em três plantas nos Estados Unidos e duas na Europa para produzir o maior quantitativo possível. Isso não significa que amanhã, passada a pandemia, não podemos nos sentar e discutir possíveis transferências de tecnologia e produção em outros países. Provavelmente é o que tem que ser feito. Mas, para a pandemia, acreditamos que essa é a forma mais rápida de produzir e a realidade está mostrando que essa é a estratégia certa. É por isso que se as coisas continuarem avançando bem, provavelmente a vacina da Pfizer vai ser a primeira a chegar. Entendemos que o governo brasileiro tenha que priorizar a produção local, mas também acreditamos que um país como o Brasil não pode ficar sem acesso a essa tecnologia e temos que continuar trabalhando para que esse tipo de vacinas possa chegar para o país.

A vacina da Pfizer precisa ser armazenada a -75ºC. O senhor acredita que isso possa ser um empecilho para o governo ter interesse na compra devido à dificuldade de distribuição e necessidade de infraestrutura específica? Nós não temos trabalhado apenas na tecnologia de desenvolvimento da vacina, mas também na embalagem. A companhia desenvolveu uma caixa especial que mantém a vacina na temperatura adequada por 15 dias. Após esse período, é possível trocar apenas o gelo seco dessa embalagem e o armazenamento está garantido por mais 15 dias. A embalagem permite fazer essa manobra três vezes. Ou seja, nesse pack que a Pfizer está disponibilizando, é possível armazenar as doses na temperatura adequada por até 45 dias. Além disso, sabemos que a vacina tem estabilidade de pelo menos 5 dias em condições normais de refrigeração, infraestrutura amplamente disponível no Brasil graças ao Programa Nacional de Vacinação. Então o que realmente era uma dúvida e uma preocupação forte, se tornou um ponto manejável e isso foi explicado ao governo brasileiro.

Recentemente, a Pfizer anunciou a ampliação do número de voluntários no mundo para 44.000. O que motivou essa decisão? Frequentemente me perguntam o porquê do aumento do número de pacientes e eu vejo que isso gerou uma preocupação. Mas é o oposto. Isso indica que a vacina está mostrando resultados tão positivos de segurança que a companhia pôde expandir não só a quantidade, mas também para pessoas mais jovens, de 16 anos e também no outro lado da ponta, para pessoas mais idosas. E também para grupos que poderiam ser considerados de risco, por exemplo pacientes com HIV. Frequentemente também me perguntam como antes uma vacina demorava 12 anos e agora vai demorar um ano? E levantam dúvidas sobre como isso está sendo conduzido tao rápido. Em primeiro lugar, o nível de urgência mudou. Uma coisa é uma situação normal outra é uma pandemia. Algo que o mundo não vê há centenas de anos. Neste caso, você tem que acelerar o processo, porque não tem opção. Além disso, no desenvolvimento tradicional, as etapas são feitas em sequência: fase 1, publicação dos resultados. Depois começa fase 2, resultados e só depois a fase 3. Agora, muitas destas etapas estão acontecendo em paralelo. Fase 1 com fase 2. Fase 2 com 3. Já começo a produção antes da aprovação regulatória. Tem também a colaboração sem precedentes com as agências regulatórias. Tudo isso permitiu ganhar tempo de forma impressionante. Mas é importante ressaltar que, em nenhum momento, a aceleração do processo significa que as etapas estão sendo puladas e que há risco à segurança.

A recente alteração das exigências da FDA para aprovação de uma vacina impacta de alguma forma o cronograma da Pfizer? Em termos de cronograma e disponibilidade dos resultados, não há impacto. O cronograma dos estudos segue avançando de acordo com o planejado. Dessa forma, sabemos que no final de outubro teremos resultados preliminares do estudo. Agora se a FDA está colocando condições diferentes em relação ao tempo de avaliação ou à quantidade de meses de acompanhamento dos pacientes, a data da aprovação emergencial pode sofrer mudança.
Márjori: Dos 44.000 voluntários no mundo todo, 37.400 já foram incluídos. Desses, 28.000 já receberam duas doses da vacina. Contando que uma parte desses 28.000 já terá dois meses de acompanhamento, que é a exigência da FDA, algo poderá ser apresentado. Então ainda que eles tenham colocado uma barra mais alta, a empresa vai ser capaz de apresentar os novos dados solicitados. Agora, se isso vai ser suficiente para a aprovação emergencial, a FDA que vai dizer.

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Como está o andamento dos testes no Brasil? Marjorie: A ampliação do estudo globalmente também ampliou a quantidade e o perfil dos voluntários no Brasil. Inicialmente eram 1.000 voluntários e passamos para 3.100. Até quinta-feira, 8, 2.240 voluntários já receberam ao menos uma dose da vacina ou placebo e a expectativa é vacinar todos até o final de outubro. Destes, 1.600 participantes já receberam também a segunda dose. Além do aumento no número de participantes, fomos autorizados a incluir adolescentes a partir 16 anos e pessoas portadoras de algumas doenças crônicas, como hepatite B hepatite C e pessoas que vivem com HIV, desde que estáveis.

A Pfizer já iniciou o processo de registro da vacina na Anvisa? Ainda não submetemos nada porque estamos aguardando o resultado do estudo fase 3 para começar o pedido regulatório progressivo, procurando uma aprovação o mais rápido possível.
Márjori: Para poder entrar com a submissão na Anvisa é necessário que haja um pedido de submissão no país de origem da empresa. No caso, poderia ser tanto a FDA, agência americana que regula medicamentos, quanto a EMA, agência europeia com a mesma finalidade [já que a vacina é fruto da parceria de uma empresa americana e uma alemã]. O que ainda está em andamento.

A Pfizer já definiu uma política de preços? Estima-se que no acordo com os Estados Unidos, o preço da dose seja de 19,5 dólares, cerca de 110 reais. São necessárias duas doses e, em real, o valor da imunização é muito elevado. Há uma diferença nos preços aplicados para diferentes países? A companhia não divulga valores, mas tem uma política muito definida de precificação neste momento. Geralmente, a precificação de medicamentos é feita por valor versus benefício. Em uma situação como essa, esse método faria com que a vacina tivesse que valer mais de 100 dólares, por exemplo, porque o beneficio seria muito grande. Então não é essa forma de precificação que usamos. A companhia definiu preços diferentes para três grupos. Para países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, o preço é significativamente menor que o de países desenvolvidos, como Estados Unidos e países europeus. Por outro lado, o valor para os países subdesenvolvidos, como alguns países africanos, é ainda menor. Assim, os países com mais recursos acabam ajudando e subsidiando os países com menos recursos. E estes países basicamente cobrem o que seria o custo de produção da vacina. Vale lembrar que a Pfizer não recebeu ajuda de nenhum governo para seu programa de desenvolvimento. Praticamente todas as outras companhias receberam muitos milhões de dólares para desenvolver suas vacinas. No preço, isso precisa ser considerado. A tecnologia utilizada no desenvolvimento da vacina também influencia.

Como está o avanço nos tratamentos para Covid-19? A estratégia da companhia para a Covid-19 tem três grupos: exploratório, que é analisar medicamentos que já tínhamos; o desenvolvimento de um medicamento especifico para Covid-19 e a vacina. No tema exploratório tivemos bons avanços, com estudos sendo feitos inclusive no Brasil. No desenvolvimento de um potencial composto antiviral também tivemos bons avanços. A vacina é uma solução necessária e importante, mas por mais que tenhamos vacinas, algumas pessoas ainda vão adoecer e precisamos de uma solução terapêutica eficiente para essas pessoas.
Márjori: Sobre a exploração do nosso portfólio, tem um medicamento que é usado para tratamento de doenças auto-imunes como a artrite reumatoide, o tofacitinibe. Ele é um inibidor de uma proteína chamada interleucina 6, uma enzima que é muito presente na tempestade inflamatória que acontece na Covid-19 e que causa a pneumonia grave. Sabendo desse papel da interleucina 6 e sabendo que esse medicamento age na redução dessa enzima, se discutiu fazer um estudo para entender se o medicamento poderia ter eficácia nos pacientes que estão em UTI com essa pneumonite inflamatória. Está em andamento um estudo colaborativo com a Coalizão Covid-19. Outra coisa interessante de mencionar é esse antiviral. A companhia tem um banco de moléculas e a partir dele chegamos a uma molécula antiviral que é uma inibidora potente da protease do Sars-CoV-2, um processo importante para a replicação do vírus. Estamos nos estudos pré-clínicos, mas já em paralelo trabalhando no desenho do programa de desenvolvimento clínico e o Brasil está sendo considerado. Ainda não temos a confirmação, mas vários centros estão sendo avaliados e dado o nosso bom desempenho no estudo clínico de vacinas, temos otimismo que vamos também participar desse programa de desenvolvimento do antiviral.

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Dados da pandemia

Nesta quarta-feira, 14, a média móvel de novas notificações da doença foi de 20.024,1 e a de novos óbitos 502,7. A média móvel semanal é calculada a partir da soma do número de casos e mortes nos últimos sete dias, dividida por sete – o que permite uma melhor avaliação ao encontrar um número comum de registros ao longo do período avaliado.

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