Mounjaro ou Ozempic: qual deles tem menos efeitos colaterais?
A resposta à pergunta não é tão simples - e não dá para confiar em relatos de redes sociais. Vejamos o que dizem os estudos controlados com os medicamentos

Com a chegada oficial do Mounjaro programada para junho, também ganharam as redes sociais posts sobre os efeitos colaterais da medicação à base de tirzepatida e os de seu concorrente, o Ozempic, que leva semaglutida.
De fato, leitores de VEJA e VEJA SAÚDE indagaram quais seriam as possíveis reações adversas das drogas para diabetes e perda de peso e qual delas teria menos eventos do gênero. A resposta à questão não é simples e direta. É preciso buscá-la nos estudos clínicos com os remédios e colocá-las à luz de algumas ponderações.
Por isso, pedimos ao endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da USP de Ribeirão Preto e colunista de VEJA SAÚDE, um olhar sobre o assunto, sempre amparado nas evidências científicas até o momento.
Não dá para esclarecer essa dúvida com base em relatos de redes sociais ou hipóteses e experiências médicas isoladas. É preciso checar o que dizem as pesquisas controladas. Então vejamos.
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Tirzepatida X Semaglutida
Antes de falar de efeitos colaterais – algo que qualquer medicamento pode gerar e inclusive é discriminado em bula -, convém entender a diferença entre as duas drogas, aplicadas uma vez por semana com uma caneta injetável.
O Ozempic, do laboratório dinamarquês Novo Nordisk e com mais tempo de estrada no Brasil, contém até 1 mg de semaglutida e é aprovado para o tratamento do diabetes tipo 2. Ele é um análogo de GLP-1, ou seja, imita um hormônio fabricado pelo organismo, o tal GLP-1, que atua no controle da glicemia e no aumento da saciedade.
A versão da semaglutida para o tratamento da obesidade em si é o Wegovy, com 2,4 mg do princípio ativo. Estudos indicam que o medicamento resulta, em média, numa perda de 15% do peso corporal. Também é liberado e comercializado no Brasil.
Já o Mounjaro, da farmacêutica americana Eli Lilly, é o primeiro agonista de GLP-1 e GIP da história, isto é, ele mimetiza a ação de duas substâncias produzidas pelo intestino, potencializando os efeitos na perda de peso e no equilíbrio dos níveis de açúcar no sangue.
No Brasil, foi aprovado por ora apenas para o tratamento do diabetes tipo 2 nas dosagens de 2,5 a 15 mg – o laboratório aguarda o aval para a obesidade, que já foi dado no exterior.
Couri conta que duas ideias foram ventiladas entre os médicos assim que a tirzepatida despontou no mercado. A primeira: por ser mais potente, o Mounjaro teria mais efeitos colaterais. Só que isso não procede. Depois, especialistas especularam que a presença do GIP no fármaco poderia blindar o corpo de reações adversas.
A ver o que mostram os estudos…
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Reações adversas
Antes de mais nada, cabe pontuar que, pelos dados apontados pelas pesquisas controladas e levados em conta pelos órgãos regulatórios, tanto semaglutida e tirzepatida apresentaram índices adequados de eficácia e segurança. Lembremos: efeitos colaterais podem fazer parte de qualquer tratamento, por isso aparecem na bula.
Num dos principais estudos clínicos com a tirzepatida, batizado de SURMOUNT-1, pessoas com sobrepeso e obesidade (sem diabetes) perderam, em média, 22,5% de peso corporal em um período de 72 semanas.
Os efeitos colaterais mais comuns foram os gastrointestinais, sendo a maioria de intensidade leve a moderada e transitória. O risco de experimentá-los aumentava conforme também aumentava a dosagem da droga.
As reações adversas mais comuns foram:
– Naúsea: 31%
– Diarreia: 23%
– Constipação: 13%
– Vômito: 12,2%
No entanto, a taxa de descontinuação do medicamento devido a esses efeitos foi mínima, inferior a 2%.
Numa análise de diversas pesquisas com o análogo de GLP-1 e GIP apresentadas recentemente, observou-se uma discreta elevação no risco de complicações na vesícula biliar (órgão que participa da digestão), como inflamação e pedra na vesícula. O aumento foi de 3,5% entre quem usou a tirzepatida ante 1,8% no grupo que ficou com placebo (o remédio sem o princípio ativo).
Mas vejamos o que mostra um estudo que comparou diretamente o Mounjaro (tirzepatida nas doses de 5, 10 ou 15 mg) com o Ozempic (semagludita na dose de 1 mg), o SURPASS-2.
A tirzepatida foi superior nos quesitos controle glicêmico e redução do peso corporal e os efeitos colaterais foram bastante semelhantes do ponto de vista clínico (confira a tabela abaixo). Nessa investigação, a ocorrência de reações adversas em ambas as medicações foi transitória e de intensidade leve a moderada.
Tirzepatida 15 mg | Semaglutida 1 mg | |
Naúsea % |
22,1 |
17,9 |
Diarreia % |
13,8 |
11,5 |
Vômito % |
9,8 |
8,3 |
Constipação % |
4,5 |
5,8 |
“A grande dúvida reside na comparação entre essas dosagens de tirzepatida versus a semaglutida com dose de 2,4 mg [a carga do Wegovy]”, observa Couri. “Numa revisão de estudos recém-publicada, envolvendo pessoas com obesidade ou sobrepeso com ou sem diabetes, a incidência de efeitos colaterais foi um pouco superior no grupo da semaglutida a 2,4 mg, inclusive diante da tirzepatida a 15 mg.”
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Conclusões e conselhos
O endocrinologista enfatiza que ambos os medicamentos são eficientes para o tratamento do diabetes tipo 2 e da obesidade. E, apesar de a tirzepatida ser mais potente, não está associada a um maior risco de efeitos adversos, especialmente os gastrointestinais.
Tais reações são mais comuns no início da terapia e ao se elevar a dosagem. “Apesar de os estudos mostrarem baixíssimas taxas de abandono do tratamento devido a esses efeitos, devemos lembrar que, nesse contexto, os remédios são oferecidos gratuitamente”, pondera Couri.
No mundo real, o especialista sublinha que é fundamental só utilizar a droga sob prescrição e manter um canal de contato entre médico e paciente para avaliar os efeitos positivos e os colaterais. “Na prática, pessoas podem deixar o tratamento pela falta de orientação ou não obter o resultado esperado em razão do uso de dosagens inadequadas”, diz Couri.
O problema no Brasil é que há muita gente que usa remédios para perda de peso sem receita e acompanhamento médico. “Muitas vezes, pacientes iniciam com doses elevadas e não fazem o escalonamento indicado pelos próprios fabricantes. Essa mudança gradual na dosagem visa justamente dirimir efeitos colaterais”, esclarece o pesquisador da USP.
Além do escalonamento de doses, outras estratégias buscam minimizar as eventuais reações adversas por tirzepatida ou semaglutida, tais como reduzir o volume das refeições, montar pratos com menos gordura, evitar bebidas gaseificadas junto à comida…
“Do meu ponto de vista, pelo grande número de pessoas no mundo todo que usam tirzepatida e semaglutida, com ou sem acompanhamento, a taxa de efeitos colaterais mais importantes é muito pequena e parecida com os estudos clínicos”, avalia Couri.
Eventos graves como uma suposta ligação da semaglutida com suicídio foram investigados e descartados por ora.
“A grande lacuna é saber os efeitos de longo prazo, daqui a mais de dez anos. Mas aí só o tempo vai nos dizer”, pontua Couri. “A julgar pelos anos iniciais de comercialização de ambas as moléculas, não vejo nada a temer. Pelo contrário, são tratamentos divisores de água no diabetes e na obesidade.”