Se o ser humano fosse um sistema operacional de computador, poderíamos dizer que ele acaba de ser atualizado. A vida agora começa aos 50, não mais aos 30, e essa afirmação não é um mero palpite: ela está baseada em fatos, pesquisas e estatísticas. E atenção: é a mulher, não o homem, que está no epicentro dessa revolução sexual, profissional e emocional. Estudos mostram que as mulheres acima de 50 anos têm mais libido, mais empregabilidade e são mais felizes do que costumavam ser quando jovens — ou, melhor dizendo, quando a sociedade as tachavam como jovens, pois o mundo mudou, assim como mudou a percepção delas quanto à própria idade. Se a linha da vida faz uma curva em U, na qual o ponto mais baixo é o de maior insatisfação pessoal e o mais alto é o oposto disso, as piores fases se dão na faixa dos 30. Em contrapartida, a felicidade, imensa na infância (ao menos dos que não vivem um cotidiano de pobreza), volta a decolar a partir dos 40 e pouco anos, quando a mulher, livre inclusive dos grilhões da gravidez indesejada, equaliza a vida, ainda com algumas resistências a enfrentar, mas definitivamente feliz.
É verdade que, durante boa parte do século XX, o papel feminino era quase que exclusivamente cuidar da casa, do marido e das crianças. Assim nasceram estereótipos que, ao longo dos anos, foram caindo por terra, principalmente a partir das décadas de 60 e 70, quando a pílula anticoncepcional chegou ao mercado e alimentou gritos de independência — o mesmo mercado que começou a aceitar mulheres em cargos de chefia, vindas de faculdades que elas antes não frequentavam. O caminho para a felicidade também foi pavimentado pelo desenvolvimento da medicina, da farmacêutica e da estética, que têm proporcionado vida mais longa e, sobretudo, mais confortável. Perda de massa muscular e disfunções de tireoide foram compensadas com medicamentos hormonais avançados, a ponto de aumentar a expectativa média de vida de 48,3 anos em 1940 para 80,1 anos em 2019, em levantamento feito antes da pandemia. O homem está em desvantagem nesse quesito, com expectativa de 73,1 anos. “Os avanços feitos em medicina preventiva e curativa permitem esticar cada vez mais a linha da vida, que deve passar dos 85 anos em breve”, diz Alexandre Faisal Cury, ginecologista e pesquisador. Cury lembra que saúde é uma premissa da felicidade. É mais difícil ser feliz quando ela não está boa.
É ótimo que a vida — e o prazer que advém dela — comece a ganhar impulso a partir dos 50 anos, porque a faixa etária entre 50 e 64 já corresponde a mais de 17% da população brasileira de ambos os sexos, e a revolução de costumes está justamente sendo conduzida por uma boa parte das mulheres que adentraram agora esse estágio da vida. A mulher 50+ de hoje é bem diferente de sua irmã do passado, como atestam as entrevistas feitas por VEJA. Cris Guerra, escritora de Belo Horizonte, diz que leva uma vida muito diferente daquela de sua mãe na mesma idade, ou seja, entrando nos 50: “Apesar de eu ser fisicamente parecida com minha mãe, sei que, nos tempos dela, a menopausa significava o fim”. Cris vive de forma que provavelmente sua mãe jamais pensaria — casada quatro vezes, ela tem tatuagens, usa minissaia e publica fotos de lingerie no Instagram. Está de bem com a vida e se considera uma empreendedora digital pioneira no Brasil. “Estou no auge da vida profissional, tenho vários sonhos e uma vida sexual ativa”, ela conta.
A declaração aberta e sincera de Cris Guerra é corroborada pelo estudo que identificou a tal curva em U, conduzido pelos economistas David Blanchflower e Andrew Oswald há alguns anos e que está novamente em voga. Livres da preocupação de construir uma vida, fazer carreira e montar família, as mulheres (e também os homens) começam se tornar mais felizes a partir dos 46 anos. Os pesquisadores britânicos concluem que os jovens de 20 anos acabam criando demasiadas expectativas sobre o futuro, várias das quais terminam em decepções dez ou vinte anos mais tarde — o ponto mais baixo da curva. Já aos 50 anos, o desapontamento com eventuais tropeços tende a desaparecer. Além disso, o stress diminui, os arrependimentos são deixados de lado e a vida fica mais divertida e tranquila — mas não menos ativa. Em outras palavras, elas descobrem o segredo da felicidade. Mais de 80% das pessoas entrevistadas sobre esse assunto em São Paulo, em 2019, responderam que não se veem como velhas, mas sim em um momento de transição no qual desfrutam o melhor estágio profissional da vida. “Comecei a trabalhar aos 18, mas estou no momento de maior realização agora”, diz a designer e comunicadora Adriana Coelho Silva, de 55 anos. Graças a seu site, divertidamente batizado de Viva a Coroa, Adriana é testemunha de que a mulher 50+ de hoje trabalha, cria, cuida da saúde e da beleza, namora, sai com as amigas e, em muitos casos, ainda estuda. A autoestima, ela garante, está lá em cima.
As mulheres, diga-se de passagem, estão mais corajosas e abertas a discutir assuntos vistos antes como embaraçosos. A atriz americana Gwyneth Paltrow, que fez par romântico com Robert Downey Jr. nos filmes da Marvel, foi a público cobrar o fim do tabu com a menopausa, uma vez que Hollywood tem histórico de pôr para escanteio as mulheres que ganham maturidade. Gwyneth faz bem em protestar, principalmente quando se constata o sucesso contínuo de mulheres acima de 50, como é o caso de Claudia Raia, que, enquanto aguarda o retorno dos musicais de sucesso que produz e estrela, mostra desenvoltura falando do bem-estar feminino no Instagram.
A atriz e cantora Jennifer Lopez, mais conhecida pelo seu apelido JLo, segue firme em sua carreira como produtora musical e de televisão — além de ser vista regularmente na imprensa e nas redes sociais na companhia de Ben Affleck. A vencedora do Oscar Julia Roberts pode estar meio sumida da tela grande, mas continua fazendo sucesso como atriz, tendo estrelado recentemente uma ótima série de TV da Amazon: Homecoming — De Volta à Pátria. Também para a TV está retornando Jennifer Aniston, com um cachê estimado em 3 milhões dólares para fazer o especial de Friends, a série que a revelou em 1994.
O sucesso das cinquentonas de Hollywood, entretanto, nem sempre se reflete no cotidiano das brasileiras. Segundo Silvia Ruiz, criadora da consultoria PowerAge, que ajuda marcas a se comunicarem com o público 50+, ainda há muita resistência a ser quebrada. “Conheço mulheres que não gostam de falar sua idade porque sabem que sofrerão preconceito no mercado de trabalho. E acho péssimo quando as pessoas dizem que 50 são os novos 30. Não tem nada de errado em ter 50.” Não só não há nada de errado como é uma fase de brilho e sucesso para a maioria das mulheres. Trata-se de uma geração mais antenada do que a anterior, repleta de profissionais em geral mais comprometidas e experientes, e que costumam se destacar nas empresas. Quem não enxergar isso aí, sim, mostrará que está irremediavelmente velho.
Publicado em VEJA de 02 de junho de 2021, edição nº 2740