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Novo estudo aponta a medida correta para o consumo de carboidratos

Enquanto dietas em alta pedem para cortar o ingrediente de pães, massas e frutas, pesquisa conclui que nem a carência nem o excesso são bem-vindos

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 dez 2023, 10h41 - Publicado em 8 dez 2023, 06h00

Nas batalhas da alimentação, frequentemente travadas nas redes sociais, não há inimigo mais atacado que o carboidrato. Simbolizado por pães, massas e doces, mas também fornecido por frutas, hortaliças e grãos, ele costuma ser colocado no lado da balança daqueles itens associados diretamente a ganho de peso e doenças crônicas. Não à toa, diversas dietas que estampam o termo low carb apostam numa fórmula que poderia ser resumida como “menos carboidrato, mais saúde”. Antes a equação fosse assim tão simples. A bem da verdade, o nutriente é a fonte mais imediata de energia para o organismo e, por isso, tende a forrar a base da pirâmide alimentar. Contudo, abusos corriqueiros realmente são capazes de desequilibrar o corpo, cobrando um preço na forma de obesidade, diabetes e até problemas cardiovasculares. Cortar ou não? Eis a questão que se propôs a analisar um estudo da Universidade de Nagoya, no Japão, que acompanhou mais de 80 000 pessoas, a maioria mulheres, durante nove anos. A sensata revelação: tanto o exagero quanto a escassez de carboidrato estão relacionados à mortalidade precoce.

A receita se pauta pelo bom senso, diga-se logo de cara, mas cabe examinar os achados da pesquisa, e eles diferem de gênero para gênero. Entre homens, a probabilidade de morrer mais cedo foi verificada entre os que consumiam menos de 40% de sua energia diária vinda de carboidratos. Entre as mulheres, o perigo se elevava à medida que a ingestão do nutriente superava 65% da cota diária de comida. Na análise, tanto os carboidratos simples — aqueles que preenchem produtos feitos com farinha branca — como os complexos, oriundos de vegetais e alimentos integrais, pesaram no desfecho. O resultado surpreendeu nutricionistas e médicos, que costumam ligar apenas pães, massas e companhia a problemas de saúde. O fato é que o trabalho japonês suscitou intenso debate, além de ter despertado críticas especialmente da ala que defende a abordagem low carb. O médico José Carlos Souto, autor do recém-lançado Uma Dieta Além da Moda (WMF Martins Fontes), livro que reúne evidências sobre os benefícios do método, pondera que o novo estudo, apesar dos números robustos, não é o modelo padrão ouro para tirar conclusões a respeito. “Trata-se de um acompanhamento de pacientes que preenchem questionários. Há muitas variáveis, e não podemos estabelecer uma relação de causa e efeito dessa forma”, afirma.

Realmente, ao se aprofundar nos dados colhidos, é possível descortinar que os participantes cuja dieta apresentava menos de 40% de carboidrato eram os mesmos que já bebiam mais álcool, fumavam e eram mais sedentários. Em resumo, os fatores de confusão imperam — uma crítica que é bastante comum aos estudos de observação no universo da nutrição. De qualquer maneira, o experimento nipônico traz à mesa uma discussão relevante para os brasileiros. Ora, por aqui há um mar de gente abusando do carboidrato no dia a dia, sobretudo das fontes industrializadas e refinadas associadas aos descompassos metabólicos — os mesmos alimentos que são os mais baratos no supermercado —, e, na contramão, cresce o número de pessoas que tentam se aventurar em regimes restritivos, muitos deles low carb.

O nó está longe de ser desfeito, e boa parte das pessoas parece estar no meio de uma encruzilhada. Se de um lado o fast food lotado do ingrediente pede passagem, do outro modismos inspiram comportamentos radicais, de eliminar até tubérculos, frutas, legumes e cereais da rotina. No lugar deles, não raro, o sujeito acaba partindo para fontes de proteína e gordura, cujo excesso também pode ter repercussões um tanto nocivas.

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No fundo, especialistas que advogam pelo low carb dizem que a lógica se baseia primordialmente em melhorar as escolhas. “Temos de optar por alimentos com menos amido. Cenoura em vez de batata, morango em vez de banana”, afirma Souto. A proposta seria privilegiar a “comida de verdade”, que inclui fontes de fibras, como os vegetais, e de proteínas, como ovos, carnes e peixes. E é aí que o brasileiro derrapa. A população prefere a praticidade ou a promoção diante das gôndolas abarrotadas de ultraprocessados com alto volume de carboidrato ou açúcar adicionado. E quem se rende a eles pode entrar na rota do sobrepeso e de outros percalços.

Kids choosing products at grocery store
MÁS ESCOLHAS - Ultraprocessados: populares e lotados de carboidrato (FG Trade/Getty Images)

Como se vê, persiste o desafio de cravar uma recomendação geral de limite de carboidrato para a população. Alguns adeptos do low carb sugerem não ultrapassar 20% das calorias diárias provenientes do grupo. Mas essa conta varia caso a caso. Não é por menos que tantas entidades médicas hoje batem na tecla da individualização das prescrições nas mudanças de estilo de vida — algo que, claro, vai além da alimentação. “A quantidade real de energia e carboidrato de que alguém precisa depende, por exemplo, de quão fisicamente ativo ele é”, diz o nutricionista Duane Mellor, professor da Universidade Aston, no Reino Unido. Ou seja, o cálculo precisa levar em consideração as necessidades de desenvolvimento, pensando em crianças e adolescentes, e a frequência de exercícios físicos. O mantra é personalizar em vez de padronizar.

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Muitas vezes, a solução para o impasse na dieta nem é abolir uma categoria de alimentos, mas realizar as trocas certas. É o que evidencia outro estudo, este publicado no periódico científico The British Journal of Medicine: ele mostra que o emagrecimento na meia-idade pode ser alcançado apenas substituindo alimentos refinados e ricos em amido — horda que inclui de macarrão instantâneo a bisnaga e batata frita — por frutas e grãos integrais. Para cada aumento de 100 gramas por dia de amido ou açúcar adicionado, os ponteiros da balança subiram 1,5 quilo e 0,9 quilo, respectivamente, no período de quatro anos de monitoramento. O aumento diário na mesma proporção de frutas desencadeou redução de 1,6 quilo — e a perda chegou a 3 quilos para aqueles indivíduos que colocaram espinafre, cenoura e brócolis no prato.

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Nesse caminho, a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) resolveu atualizar suas diretrizes sem focar tanto na quantidade, mas na qualidade dos carboidratos. A proposta é garantir que o corpo receba aportes das boas fontes de fibras, caso de leguminosas e grãos integrais. Veja: os redutos fibrosos são os mesmos que integram o time dos carboidratos complexos. Por natureza, são opções mais balanceadas para ter na despensa. Dentro desse raciocínio, a OMS preconiza o consumo de ao menos 400 gramas de frutas e hortaliças por dia. Não tem mistério: o tradicional prato de arroz, feijão, salada e bife ou ovo já ajuda a cumprir a meta, bem como uma salada de frutas no café da manhã ou no lanche da tarde. “As pessoas deveriam seguir mais as orientações do guia de alimentação do governo brasileiro, tentando se envolver na compra, no preparo e no compartilhamento de comida fresca, em busca de receitas que não deixam de ser práticas e gostosas”, afirma Mellor.

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Convém ouvir o conselho do especialista. No país, a ingestão de ingredientes in natura ou minimamente processados vem caindo e, apesar de ainda responder por pouco mais da metade das calorias adquiridas diariamente, essa fatia tem sido abocanhada pelos produtos ultraprocessados, que já correspondem a quase 20% da conta, de acordo com dados do IBGE. Nessa transição, sobra carboidrato de má qualidade. E as consequências poderão ser medidas na balança e no consultório médico.

Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871

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