O Botox agora é estudado para o tratamento de depressão — e com sucesso
A técnica já é consolidada pela capacidade de eliminar rugas sem bisturi e para crises de enxaqueca
Há trinta anos, quando o casal de médicos canadenses Alastair e Jean Carruthers notou em seus consultórios que a toxina botulínica, o Botox, usada então para controlar espasmos faciais também suavizava as rugas da pele, o mundo nunca mais foi o mesmo. O composto tornou-se um estrondoso sucesso nas clínicas dermatológicas. Hoje, apenas no Brasil, 300 000 mulheres e homens recorrem ao produto, todos os anos, para disfarçar as marcas da idade. Recentemente, o Botox ganhou bem-sucedido espaço em áreas da medicina distantes da estética, como no tratamento da enxaqueca. A toxina bloqueia a liberação de neurotransmissores associados com a origem da dor, diminuindo sua frequência e intensidade. Pois ao lidar com dores de cabeça severas, os pesquisadores descobriram uma nova e promissora utilidade para a substância: ela também combate a depressão.
Pesquisas demonstram que a toxina tem efeito antidepressivo quando aplicada entre as sobrancelhas. Parece esquisito, mas foram realizados exames de ressonância magnética que confirmaram a tese. Quando as pessoas são incapazes de fazer expressões faciais de raiva (o Botox reduz o estímulo muscular), há menos atividade na amígdala, uma região cerebral associada ao controle da ansiedade e à resposta para o medo. Se uma pessoa não pode franzir a testa, o cérebro não registra um sentimento negativo, portanto.
Uma outra explicação baseia-se no princípio de que emoções negativas como medo, raiva e tristeza estão relacionadas à ativação de músculos específicos da parte superior da face. As injeções de Botox dificultam os movimentos da face para expressões negativas, como o franzir da testa quando há chateações. Uma expressão mais leve deflagra contrapartidas de sociabilidade, atalho para melhora nas emoções, de forma involuntária e espontânea. Um novíssimo trabalho foi além e mostrou que a toxina pode funcionar no trato do mau humor químico mesmo nas aplicações em diversas áreas do corpo. Conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos EUA, o estudo analisou o efeito do composto em 40 000 pessoas que receberam as injeções por oito motivos diferentes. Entre eles, enxaqueca, estética, torcicolo e excesso de suor nas axilas. Os dados, obtidos de uma base da FDA, a agência reguladora de medicamentos americana, que reúne relatos de efeitos adversos associados a tratamentos, foram comparados com os de pessoas que se submeteram a terapias diversas para as mesmas condições. Aquelas que receberam a substância corriam risco significativamente menor de depressão (veja abaixo). Diz o psiquiatra Rodrigo de Almeida Ramos, diretor do Núcleo Paulista de Especialidades Médicas: “O estudo aumentou o potencial de inclusão do Botox no rol de tratamentos para serem usados na depressão”.
Há ainda vasto campo de investigação, e é preciso cautela. Entre as possibilidades analisadas está o fato de a substância ajudar na remoção da tensão muscular do organismo, onde quer que seja aplicada — sintoma comum na depressão. Outra hipótese, fascinante em sua simplicidade, está associada ao bem-estar gerado pela resolução de problemas crônicos. “Tudo o que alivia a dor ou aumenta a autoconfiança e a autoestima traz uma sensação de bem-estar e prazer”, diz a dermatologista Adriana Vilarinho. E a vaidade dá as mãos à saúde.
Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706