Talvez não exista procura mais compulsória hoje, depois de sete meses de pandemia, do que a do bem-estar dentro do lar — ressalve-se, contudo, que o vírus acelerou um fenômeno que já crescia de forma exponencial. A Deloitte, empresa de consultoria, vinha apontando crescimento da indústria global de apetrechos destinados à saúde e ao bem viver — nos últimos quatro anos, foi na ordem de 12%. Em 2018, por exemplo, a receita dessa fatia de mercado chegou a extraordinários 94 bilhões de dólares em todo o mundo. Nesse universo, destaque para smartphones e dispositivos “vestíveis” (tradução livre do termo em inglês wearable), como pulseiras e relógios inteligentes, que permitiram o monitoramento da quantidade de passos diários, da prática de exercícios, dos batimentos cardíacos, do nível de oxigenação no sangue e dos ciclos de sono.
Era, sem dúvida, um movimento sem retorno, mas agora enormemente potencializado pela Covid-19 e pelo avanço tecnológico. Bem-vindo, portanto, ao universo de residências inteligentes atreladas a ferramentas de controle da saúde. A Associação Brasileira de Automação Residencial e Predial estima que existam cerca de 300 000 casas automatizadas no país — e em boa parte delas a regra agora é incorporar os recursos já existentes de inteligência artificial a dispositivos e sensores que antes se viam apenas em hospitais. Diz Chao Lung Wen, chefe da disciplina de telemedicina da Faculdade de Medicina da USP: “Estamos entrando numa nova década, com casas inteligentes que vão promover bem-estar e oferecer serviços com qualidade hospitalar”.
Neste admirável mundo novo, há boas soluções para uma série de questões que afetam a nossa saúde. O proprietário dessa casa está sujeito a convulsões? Trata-se de um idoso que mora sozinho e tem problemas de locomoção? Pois o piso hoje pode ser revestido de sensores que detectam uma queda repentina e perigosa. Já no espelho do banheiro uma engrenagem verifica a visão, faz uma análise da pele e exibe tutoriais de alongamento e ioga para ajudar a começar o dia com entusiasmo. Como se sabe, em matéria de saúde, o monitoramento faz toda a diferença. Por isso, as empresas especializadas vêm investindo pesado em equipamentos que coletam os dados fornecidos por esses sensores de modo a armazená-los na nuvem, o que possibilita o acesso por médicos e serviços de emergência — desde que tudo seja autorizado pelo usuário.
Muitas vezes, esse processo é feito sem que a pessoa sequer perceba. Entre as novidades, há sensores de sono que podem ser instalados debaixo do colchão para aferir a qualidade da noite, com detecção de ronco e de apneia. Um fabricante japonês de banheiros, por exemplo, vende tecnologias que permitem medir o fluxo de urina, a glicose no sangue e o índice de massa corporal. Em paralelo, o sistema de iluminação é desenhado para funcionar de acordo com o nosso relógio biológico. Ou seja, pela manhã há uma luz energizante. Já no fim do dia, a intensidade é reduzida, para induzir a produção de melatonina e preparar o ambiente e o corpo para uma boa noite de relaxamento total.
Tudo isso parece futurista, mas não é. Virou realidade. Segundo estudo da P&S Intelligence, empresa de pesquisa de mercado e negócios, o mercado global de casas computadorizadas com atenção para a saúde teve uma receita de 8,7 bilhões de dólares em 2019 e deve chegar a 96,2 bilhões em 2030. É um crescimento gigantesco associado ao aumento da população idosa e à prevalência crescente de doenças crônicas. Não por acaso, em 2017, o Google Nest, divisão focada no desenvolvimento de produtos para o lar da empresa do Vale do Silício, comprou a startup Senosis, que oferece medições clínicas do corpo. Ao mesmo tempo que parece um pouco assustador, essa casa do futuro — já acessível hoje — vai fazer com que as pessoas vivam mais e melhor.
Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709