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Os riscos da ‘produtividade tóxica’ no home office

A prática pode levar as pessoas a trabalhar o dia todo, sem horário nem fim de semana — uma rotina que não faz bem a ninguém

Por Jana Sampaio Atualizado em 4 jun 2024, 13h18 - Publicado em 30 jul 2021, 06h00

Em meados do século XVIII, quando estavam em curso as grandes transformações promovidas pela Revolução Industrial, o economista francês François Quesnay cunhou o termo “produtividade” para indicar o nível de eficiência em produzir o máximo no menor tempo possível. Entregar um bom resultado nesse quesito se tornou valoroso no mundo do trabalho e um marcador do sucesso da economia de um país — isso até a pandemia chegar e, também aí, chacoalhar as regras conhecidas. O conceito original continua valendo, mas a disseminação do home office, que incorporou o escritório ao ambiente doméstico, esgarçou os limites da jornada e cultivou o que vem sendo chamado de “produtividade tóxica” — a situação em que a pessoa acorda e vai dormir trabalhando, com efeitos negativos para o bem-estar, a saúde mental e o próprio desempenho.

O excesso é sentido intensamente no Brasil: em uma pesquisa recente com trabalhadores de oito nacionalidades, realizada pela Microsoft em parceria com a Universidade Harvard, os brasileiros foram os que mais se disseram exaustos com o ritmo do batente na modalidade remota, em que muita gente ainda patina para encontrar o equilíbrio. “Aprender a lidar com este novo cenário é uma forma de evitar que a saúde seja afetada”, reforça a psicóloga Juliana Camilo, professora da PUC-SP. Estabelecer as fronteiras para um trabalho a distância saudável exige esforço e capacidade de adaptação (veja recomendações abaixo). Isolada em casa dois meses depois de ser contratada como assessora tributária da multinacional Ernest & Young no Rio de Janeiro, a carioca Thamires Castro, 27 anos, precisou refazer sua rotina para não passar o dia inteiro ligada na tomada profissional. “Até hoje tenho dificuldade de encerrar o expediente, mas entendi que, se não preencher meu tempo com outras atividades, vou acabar rendendo menos”, explica ela, que começou a fazer uma pós-graduação e a se exercitar em um parque.

arte Produtividade tóxica

Produzir em casa tem vantagens tanto para os empregados — elimina o tempo perdido no trânsito e o gasto com refeições, além de permitir uma divisão mais individual do tempo — quanto para os empregadores. Segundo um estudo da Fundação Instituto de Administração (FIA), 94% das empresas brasileiras dizem ter atingido ou superado as expectativas de resultados com o home office — metade delas, inclusive, estima que a produtividade média da equipe aumentou. A administradora Fernanda Paes, 29 anos, voltou a morar com os pais em Guarulhos, na Grande São Paulo, e graças ao trabalho remoto foi selecionada há um mês para uma vaga de assistente de projetos em uma agência internacional. “O único ponto negativo é não conviver tanto com os colegas, o que faz com que o aprendizado não seja tão fluido”, avalia.

Fernanda Paes
Fernanda Paes – (Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria/.)
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Flexibilidade é vida

“O melhor do trabalho remoto é decidir meu horário. Rendo bem melhor à tarde do que de manhã. Desde que entregue os projetos, não faz diferença começar às 7 ou às 11 horas.”

Fernanda Paes, 29, administradora

Quando o fato de estar em casa contribui para o desenvolvimento de uma obsessão por trabalhar o tempo todo, porém, o ganho se dilui e a produtividade, ao contrário, acaba diminuindo. Na pesquisa da Microsoft com a Harvard, 44% dos brasileiros em casa se disseram exaustos e reclamaram do número de reuniões e ligações e da quantidade de mensagens fora do expediente, que praticamente dobraram durante a pandemia. Eles se declaram mais consumidos pelo frenesi do que alemães, americanos e japoneses. O estudo ouviu 6 000 usuários da plataforma Microsoft Teams, serviço de videoconferência e compartilhamento de arquivos, e apontou a falta de divisória entre vida profissional e pessoal e a jornada mais esticada como motores do esgotamento.

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Outra pesquisa, esta da empresa brasileira de recrutamento Cia de Talentos, mostra que falhas de pessoas em cargos de comando, que prescindem de preparo e clareza na definição de objetivos, levam à tensão dos subordinados em home office. “É inegável que a pressão sobre os profissionais aumentou”, confirma Sofia Esteves, pesquisadora de gestão de pessoas e presidente da empresa. Funcionário de um grande escritório de advocacia em São Paulo, Alberto (ele pediu para não ser identificado por temer represálias), 28 anos, chega a trabalhar dezenove horas nos dias mais caóticos, é acionado com frequência nos fins de semana e começou a tomar remédio para ansiedade por causa do excesso de tarefas. “As pessoas acham que, por estar em casa, eu permaneço disponível o tempo todo”, queixa-se. Solicitado, o funcionário se envolve, entra em contato com os colegas e, até sem perceber, põe em movimento o ciclo ininterrupto de trabalho, não se permitindo aqueles imprescindíveis momentos de relaxamento.

Thamires Castro
Thamires Castro – (Ricardo Borges/.)

Pausa programada

“Ainda não tenho coragem de ir à academia, mas me obrigo a fazer atividades ao ar livre. Também iniciei uma pós-graduação. Sei que, se não me mexer, vou produzir menos.”

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Thamires Castro, 27, assessora tributária

Tentando se adequar à nova era e evitar a fuga de talentos, as empresas têm contratado consultorias especializadas em saúde mental e adotado medidas para aprimorar o sistema de home office, principalmente para funcionários que precisam conciliar o expediente profissional com afazeres domésticos e o cuidado de filhos e pets. O Hospital Israelita Albert Eins­tein, de São Paulo, registrou nos últimos meses uma alta de 400% na procura por esse tipo de assessoria. “O assunto tem de fazer parte da pauta estratégica das companhias, como acontece com a área financeira e jurídica. Caso contrário, a conta vai ser paga em despesas de demissão e afastamento”, alerta Raquel Dilguerian, médica responsável por saúde corporativa do Einstein.

A reação no ambiente corporativo é necessária e bem-vinda. Ao perceber que o nível declarado de stress, ansiedade e depressão do seu pessoal saltou de 16% em 2018 para 43% em 2020, a rede de laboratórios Fleury passou a oferecer aulas de ioga, meditação e mindfulness, atendimento nutricional e um aplicativo para medir a qualidade do sono, também afetada pelos turnos extenuantes. O gigante do setor de bebidas Ambev criou uma diretoria só para tratar dos excessos em home office, que desenvolveu um guia prático para líderes, treinamento on-line das equipes e lives sobre gestão de tempo. A BR Distribuidora proporciona atendimento psicológico virtual aos funcionários e a Johnson & Johnson estimula seus empregados a tirar uma sexta-feira de folga por mês para relaxar. “Nas empresas insensíveis a essas questões, o rendimento do funcionário certamente cairá. Mas se, apesar da pressão constante, houver diálogo e alguma forma de compensação, a chance de ele manter ou até aumentar a produtividade será maior”, ensina Gabriela Casellato, especialista em intervenções em crise. No universo profissional pós-pandemia, parte do trabalho se mudou definitivamente para dentro de casa, embaralhando as fronteiras de mundos paralelos. Sairá ganhando quem souber circular com segurança pelos dois, sem deixar que um engula o outro.

Publicado em VEJA de 4 de agosto de 2021, edição nº 2749

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