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Pele de tilápia: a nova promessa no tratamento de queimaduras

Desenvolvido no Ceará, o curativo já foi testado em mais de 60 pacientes e promete ser uma alternativa mais barata e eficaz do que o método tradicional

Por Marina Felix Atualizado em 30 jul 2020, 20h45 - Publicado em 21 Maio 2017, 19h21

A pele de tilápia é a nova promessa no tratamento de queimaduras. Desenvolvida no Ceará, a alternativa promete ser  melhor e mais barata em relação à terapia tradicional utilizada no Brasil.

O tratamento das queimaduras pelo Sistema Único de Saúde (SUS), na maioria dos serviços de queimados, é feito com pomada e curativos feitos com gaze, que são trocados a cada dois ou três dias, conforme a gravidade da ferida. Segundo Fábio Carramaschi, cirurgião plástico do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, a forma tradicional utilizada atualmente envolve o uso de pomada de sulfadiazina de prata, que possui função antimicrobiana.

Enquanto isso, em países como Argentina, Chile e Uruguai, o tratamento é feito com pele humana ou pele animal.

Segundo o cirurgião plástico Marcelo Borges, coordenador do SOS Queimaduras e Feridas do Hospital São Marcos, em Recife, idealizador do projeto, o tratamento tradicional é relativamente caro, justamente por conta da quantidade de material utilizado e das frequentes trocas de curativos, que também causam dor e desconforto ao paciente, o que gera a necessidade de administrar analgésicos e anestésicos, aumenta o trabalho da equipe e, consequentemente, os custos.

“Uma das coisas mais importantes do curativo com tilápia é que na queimadura superficial, a de segundo grau, ela fica até o final da cicatrização, algo em torno de dez dias, sem precisar trocar diariamente”, explica o coordenador.

Como funciona: aplicação do curativo

As tilápias são retiradas do açude Castanhão, em Jaguaribara, maior reservatório de água doce do Ceará, localizado a 260 quilômetros de Fortaleza. “As peles são lavadas no local de retirada com água corrente pela própria equipe, colocadas em caixas isotérmicas e levadas para o Banco de Pele na Universidade Federal do Ceará”, explica Edmar Maciel, cirurgião plástico coordenador da fase clínica em andamento no Instituto José Frota (IJF).

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Depois de passarem pela esterilização inicial, são enviadas para São Paulo, ao Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) da Universidade de São Paulo (USP), onde passam por uma radioesterilização, procedimento que elimina possíveis vírus e garante a segurança do produto. Quando voltam para o banco de pele do estudo, após cerca de 20 dias, as peles são refrigeradas, e podem ser utilizadas em até dois anos. “A pele da tilápia, quando colocada, adere-se à pele ‘tamponando’ a ferida. Ela causa um verdadeiro ‘plastrão’”, explica Maciel. Com isso ela evita a contaminação do meio externo e que o paciente perca líquido e proteínas, causando desidratação e prejudicando a cicatrização.

De acordo com o médico, o resultado tem sido bastante positivo. “Até o momento não observamos nenhuma contraindicação. O que estamos estudando são ajustes de pele, formas de colocação, melhor maneira de dar maior conforto ao paciente”, salienta.

Atualmente, o tratamento está disponível apenas para feridos por queimaduras do Instituto José Frota (IJF), em Fortaleza e  já foi testado em mais de 60 pacientes.

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Oportunidade no descarte

Borges, conta que tudo começou quando leu uma reportagem no Jornal do Commercio, de Pernambuco, que mostrava que apenas 1% da pele da tilápia utilizada no artesanato era reaproveitada na confecção de bolsas e sapatos. Os outros 99% eram descartados. 

Em função da situação dos bancos de pele brasileiros, que estão com estoques reduzidos, Borges viu no descarte uma oportunidade e decidiu estudar a pele do animal para o tratamento de queimaduras. Durante dois anos o cirurgião tentou iniciar a pesquisa em seu estado, sem sucesso. Então, em 2014, ele teve a oportunidade de levá-la para Fortaleza e finalmente iniciar os estudos.

Peixe do Nilo

A tilápia, ou peixe do rio Nilo, chegou ao Brasil em 1971, no Ceará, e rapidamente se disseminou pelos outros estados e países vizinhos. “A tilápia é produzida em cativeiro e temos inúmeras pisciculturas no nordeste, principalmente na Bahia, em Pernambuco e no Ceará”, conta Maciel, que, junto de sua equipe, estudou a piscicultura do peixe.

Na primeira etapa do estudo, entre fases de laboratório e testes em animais, a análise da pele revelou que a tilápia contém uma grande quantidade de colágeno tipo 1 – duas vezes superior ao da pele humana – acelerando o processo de cicatrização. Além disso, a pele tem alto grau de resistência à quebra e elevado grau de umidade, características ideais para um curativo.

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Outra vantagem é que os animais aquáticos têm menor risco de transmissão de doenças que os terrestres, comumente utilizados em outros países, como nos Estados Unidos e Europa. “A pele de animal mais usada é a pele de porco. O Brasil nunca teve uma pele animal registrada pela Anvisa, nem disponibilizada no Ministério da Saúde para tratamento. O Brasil está atrasado no tratamento local com pele quase 50 anos”, salienta Maciel.

Toda a pesquisa foi desenvolvida no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Medicamentos (NPDM), da Universidade Federal do Ceará, sob a coordenação do pesquisador Odorico Moraes, financiada por um convênio entre o Instituto de Apoio ao Queimado, organização não governamental, e pela Enel, empresa distribuidora de energia elétrica no Ceará.

Pele de tilápia agiliza tratamento de queimaduras

Queimaduras

De acordo com o Ministério da Saúde, um milhão de pessoas sofrem queimaduras por ano no Brasil e a maior parte delas é de baixa renda. Entre os principais acidentes estão os ‘escaldamentos’ – feridas causadas pelo contato com líquidos ou vapores quentes – muitas vezes relacionado a acidentes de trabalho e à violência doméstica. No entanto, em todo o país há apenas 46 centros especializados.

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De acordo com as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS), é recomendado um banco de pele para cada município com mais de 500.000 habitantes, mas não é o que acontece. Existem apenas quatro unidades: São Paulo, Porto Alegre, Curitiba e Recife, que atualmente se encontra desativado.

“Está fechado há três anos. Os outros três que ficam em Porto Alegre, São Paulo e Curitiba suprem apenas 1% da necessidade. Não temos pele para tratar queimados”, conta Edmar Maciel. Como em todo tipo de doação, a falta de informação, ainda é o principal problema quando se trata das doações de pele homóloga – ou seja, pele humana.

Para Carramaschi, cirurgião plástico do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, a linha da tilápia é muito bacana e poderia ser “uma alternativa, uma forma barata de produzir algo que não dependa de um banco de doações”.

Registro na Anvisa

Em 2016, a pesquisa foi premiada no Congresso Brasileiro de Queimaduras, na Bahia, e no Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica, em Fortaleza, pelo seu pioneirismo e criatividade. O prefeito de Fortaleza na época, Roberto Cláudio, visitou o centro de queimados com o objetivo de conhecer os resultados da pesquisa. Sua impressão com os resultados obtidos, o fez retornar em janeiro deste ano acompanhado do governador do Ceará, Camilo Santana, e do Ministro da Saúde, Ricardo Barros.

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Em abril deste ano, começará a última etapa do estudo, segundo Maciel, para registro do tratamento, conforme exigência da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). A pele de tilápia será testada em 120 pacientes, incluindo crianças – que, de acordo com dados do Ministério da Saúde, representam quase metade das ocorrências de acidentes por queimaduras. “Em maio, realizaremos o primeiro estudo multicêntrico – em outros locais –, que serão em outros três hospitais de Goiás, sob coordenação do médico Nelson Piccolo”, conta Maciel.

 

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