Para viver cheia de saúde até 100 anos, ou mais, a garotinha da foto ao lado deve manter a preferência pelas frutas, especialmente as vermelhas, repletas de compostos que protegem contra danos celulares, encher o prato de legumes e folhas, saborear um bom chocolate amargo, riscar do cardápio as carnes vermelhas e reduzir muito a ingestão de proteína animal, inclusive a oriunda de peixes. Essa é a essência da dieta da longevidade proposta pelos americanos Valter Longo, da Universidade do Sul da Califórnia, e Rozalyn Anderson, da Universidade de Wisconsin, reconhecidos estudiosos do impacto da alimentação na longevidade. O regime está descrito em um artigo publicado na revista científica Cell e foi formulado depois da análise de centenas de pesquisas a respeito do tema. Os cientistas queriam fazer uma varredura na literatura e extrair dados para delinear um regime que ajude as pessoas a viver saudáveis e por mais tempo. Eles trouxeram à luz os alimentos recomendados e indicaram o período ideal para consumi-los (leia os quadros nesta reportagem). Essa combinação — o que e quando comer — é o que diferencia o trabalho dos americanos dos demais e o configura como a última palavra sobre o assunto.
Até hoje, a maioria das investigações associando alimentação e longevidade atinha-se às propriedades nutritivas de alimentos que poderiam ajudar na prevenção de doenças, especialmente as crônicas, as que mais matam no mundo. Assim, soube-se que das frutas vermelhas obtêm-se vitamina C e compostos protetores do coração, que do azeite de oliva ganha-se o melhor tipo de gordura, que as proteínas vegetais são sempre melhores do que as fornecidas por carnes e que os alimentos integrais superam de goleada os refinados. Também concluiu-se que reduzir em média 30% a ingestão de calorias é uma boa medida. Mas ninguém tinha ideia de que organizar o consumo disso tudo de acordo com o relógio biológico é tão importante quanto a escolha dos alimentos. A pesquisa deixou isso evidente. A revisão mostrou que as refeições devem ser feitas em um período concentrado de onze a doze horas. Depois disso, mais nada. “A prática beneficia o metabolismo do que foi ingerido e o sono”, disse a VEJA Valter Longo, autor principal do estudo.
Isso quer dizer que funções importantes como a regulação da concentração do açúcar no sangue, da pressão arterial e de processos inflamatórios — tríade que está por trás das doenças cardiovasculares — ficam mais eficientes quando a alimentação está sincronizada com o relógio biológico. Além disso, diminuir a ingestão de calorias também de acordo com os ponteiros do ritmo circadiano parece reduzir a atividade de genes associados à inflamação, que tendem a ficar mais ativos ao longo do envelhecimento, e aumentar a daqueles ligados ao metabolismo, menos atuantes com o passar do tempo. O fenômeno está demonstrado em um trabalho que acaba de sair na revista científica Science, de autoria de Joseph Takahashi, do Howard Hughes Medical Institute, dos Estados Unidos. O cientista comparou a resposta de cobaias a dietas restritivas usando como diferencial a maneira como a ração era consumida, se de forma livre, ao longo do dia e da noite, ou se apenas em um período determinado. O esquema usando rações pouco calóricas fornecidas livremente estendeu a vida média dos camundongos em cerca de 10%. Porém, nos animais alimentados somente à noite, quando são mais ativos, o índice foi de 35%.
Em seu trabalho, Valter Longo e Rozalyn Anderson foram mais longe na abordagem. Eles propuseram que a cada dois ou três meses as pessoas tirem cinco dias para fazer um jejum, entendendo-se por isso uma ingestão focada em legumes e verduras e bastante líquido. Na explicação de Longo, a ação promove uma espécie de liga-desliga nos processos metabólicos, permitindo a melhora das funções do organismo e a redução de fatores de risco para enfermidades crônicas. “Desde que o cérebro esteja protegido, a medida pode trazer benefícios”, considera, no Brasil, o cardiologista Heno Lopes, do Instituto do Coração, em São Paulo.
Outro aspecto interessante colocado pelos estudiosos americanos é a necessidade de adequar as recomendações de acordo com o gênero, estado de saúde, idade e genética dos indivíduos. Pessoas com mais de 65 anos, por exemplo, devem aumentar o consumo de proteínas — de origem vegetal —, peças fundamentais para a saúde muscular. Também é importante atender às preferências de paladar e referências culturais de cada população para que a aceitação da dieta seja maior. No Brasil, por exemplo, a empreitada pode não ser fácil. Primeiro, pela difícil situação econômica do país. “Neste momento em que estamos vivendo, o brasileiro está comendo o que dá para comer. Isso restringe qualquer possibilidade de a pessoa consumir alimentos associados à longevidade, geralmente mais caros”, diz Jorgemar Felix, professor de economia e finanças em gerontologia da Universidade de São Paulo. No Hospital do Coração, em São Paulo, existe uma iniciativa para criar um regime coerente com o bolso e o cardápio nacionais. “Pensamos nas regiões e damos as receitas que podem ser consumidas”, explica o nutricionista Luís Gustavo de Souza Mota. Mas o foco é a proteção do coração, não o aumento da longevidade. Na análise que conduziram, Longo e Anderson estudaram bastante os cardápios das comunidades onde vivem habitantes longevos, os centenários. Muito da dieta que criaram está baseado nos ensinamentos dessas pessoas, entre eles o apreço por alimentos frescos e naturais. Contudo, o regime diverge em alguns pontos, como o consumo acentuado de peixe preconizado na dieta mediterrânea, seguida em países como Grécia e Itália. No menu para uma vida mais extensa, a carne até é permitida, mas em quantidade reduzida (leia mais sobre o consumo de peixe na coluna de Lucilia Diniz). E sempre saboreada na hora certa.
Publicado em VEJA de 1 de junho de 2022, edição nº 2791