Por que o câncer de pâncreas é tão preocupante e agressivo?
Silenciosa, doença é diagnosticada em estágio avançado entre 70% e 80% dos casos; chef Edu Guedes teve diagnóstico após infecção por crise renal

O chef e apresentador Edu Guedes, de 51 anos, passou por uma cirurgia no último sábado, 5, para retirar um tumor no pâncreas. O diagnóstico veio por acaso – o que, aliás, é bastante comum nesse tipo de câncer -, depois de uma infecção causada por uma crise renal. O caso chamou atenção por se somar a outros envolvendo figuras públicas, como o músico Tony Bellotto e o jornalista Léo Batista, que morreu em janeiro deste ano em decorrência da doença.
Segundo o oncologista João Paulo Fogacci, da Oncoclínicas, o termo “câncer de pâncreas” funciona como um guarda-chuva. Na maioria das vezes, estamos falando do adenocarcinoma, que representa cerca de 90% dos casos e se origina na parte exócrina do pâncreas, região responsável por produzir enzimas que ajudam na digestão dos alimentos. “Outros tipos são mais raros, como os tumores neuroendócrinos, que surgem na parte que fabrica hormônios, e os pancreatoblastomas, que costumam aparecer na infância.”
No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima cerca de 10.980 novos diagnósticos de câncer de pâncreas por ano. Embora os casos que vieram a público recentemente envolvam homens, a maior parte dos registros ocorre em mulheres, ainda que a diferença não seja lá tão grande: são esperados cerca de 5.690 em mulheres e 5.290 em homens anualmente.
Entre as possíveis causas, até 15% dos registros podem estar ligados a fatores genéticos, como mutações nos genes BRCA1, BRCA2 e PALB2, além da associação com síndromes hereditárias, como a de Peutz-Jeghers, e com condições como pancreatite crônica e diabetes. Mas o estilo de vida também pesa bastante nessa balança.
Fumar, beber em excesso, comer pouca verdura e fruta e exagerar na carne vermelha são hábitos que aumentam o risco. A idade também entra na conta: a doença é mais comum a partir dos 60 anos. No entanto, especialistas têm observado um aumento nos diagnósticos em pessoas abaixo dessa faixa etária, algo que pode ter relação com a piora nos hábitos de vida e com o crescimento da obesidade.
“A obesidade, que é um traço marcante da sociedade atual, está relacionada a diversos problemas de saúde, inclusive ao câncer de pâncreas”, destaca Fogacci.
Silencioso e rápido de espalhar
Além de ser um tipo agressivo, o câncer de pâncreas costuma agir em silêncio. Na maioria das vezes, cresce sem provocar sintomas e só dá sinais quando já está em estágio mais avançado. Por isso, o diagnóstico geralmente acontece de duas formas: por acaso, durante exames de rotina ou na investigação de outros problemas – como foi o caso de Edu Guedes e Tony Bellotto –, ou quando os sintomas ficam evidentes, o que normalmente indica que o tumor já cresceu ou se espalhou.
“O avanço do estágio inicial para o avançado pode ser bastante rápido”, diz Mauro Donadio, também oncologista na Oncoclínicas. “Quando há metástase, o câncer costuma se espalhar principalmente para o fígado e os linfonodos pela corrente sanguínea. Mas também é comum alcançar o peritônio por disseminação direta, já que essa membrana está em contato com o pâncreas.”
De acordo com Fogacci, entre 70% e 80% dos casos são diagnosticados em estágio avançado, reduzindo muito a probabilidade de cura. Isso se deve, em parte, à localização do pâncreas, que fica ‘escondido’ atrás do estômago, no fundo do abdômen, o que dificulta o surgimento de dor ou o aparecimento de sintomas claros logo de cara.
Quando eles aparecem, geralmente são pouco específicos e podem ser confundidos com problemas menos graves, como por exemplo perda de apetite, emagrecimento sem explicação, dor nas costas, urina escura, desconforto abdominal, náuseas ou cansaço — sinais que nem sempre surgem de uma única vez. Outro alerta importante é o surgimento repentino de diabetes em pessoas sem histórico da condição.
“Ela mostra que o pâncreas pode estar doente. Não que todo caso de diabetes pode ser câncer de pâncreas, mas diabetes aguda pode ser um sintoma também”, explicou Pedro Uson, médico oncologista do Programa de Medicina de Precisão e Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein à VEJA.
Para piorar, diferente de outros tipos de câncer, como os de mama ou colo do útero, não há um exame de rastreamento eficaz para detectar precocemente o câncer de pâncreas. Os exames de sangue disponíveis não são sensíveis nem específicos o suficiente para flagrar o tumor nas fases iniciais. “E a localização do pâncreas faz com que ele seja obscurecido por outros órgãos, sendo difícil de visualizar até em exames de imagem”, afirma Donadio.
Na prática, isso significa que o diagnóstico geralmente só acontece quando o tumor já está comprometendo outras estruturas, como os ductos biliares, o que pode levar à icterícia, caracterizada pelo amarelamento da pele e dos olhos, um dos poucos sinais mais visíveis da doença.
Como tratar e prevenir?
Quando o câncer de pâncreas é detectado no início, cirurgia e quimioterapia são igualmente importantes. “Nas últimas décadas, a cirurgia oncológica avançou bastante, com técnicas minimamente invasivas que aceleram a recuperação”, diz Fogacci.
Apesar desses avanços, a cirurgia do pâncreas continua sendo um procedimento de grande porte. Em alguns casos, pode ser necessário fazer reconstruções vasculares, especialmente quando o tumor atinge veias ou artérias próximas. Agora, quando o câncer já se espalhou para fora do pâncreas, a chance de cura se torna muito menor. “Nesses casos, o tratamento costuma ter um foco paliativo, com uso de quimioterapia para controlar os sintomas e tentar frear a progressão da doença”, explica Donadio.
Uma tendência hoje é começar a quimioterapia antes da cirurgia. Isso porque até 50% dos pacientes não conseguem se recuperar rápido o suficiente para iniciar o tratamento após a operação. Além disso, a quimioterapia prévia pode reduzir o tamanho do tumor e facilitar a remoção.
“Quando o diagnóstico acontece bem no começo, há chance real de cura, entre 25% e 30%”, ressalta Donadio.
Como forma de prevenir o risco do desenvolvimento do câncer no pâncreas, Fogacci cita cuidados importantes — e que valem, especialmente, para quem tem histórico de câncer na família, tais como manter uma alimentação equilibrada, rica em frutas, vegetais e grãos integrais, praticar atividade física com regularidade, manter o peso sob controle, evitar bebidas alcoólicas e parar de fumar. “E claro, fazer acompanhamento médico de rotina também é muito importante”, orienta o médico.