Inédito: injeção anual tem potencial de prevenir o HIV
Estudo inicial mostrou que medicamento para PrEP tem efeito duradouro e poucos efeitos colaterais

Hoje, a ciência encontra dificuldades em desenvolver uma boa vacina contra o HIV, mas um comprimido diário – disponível gratuitamente no SUS – é capaz de prevenir novas infecções, mesmo sem o uso de preservativos. E essa tecnologia, conhecida como profilaxia pré-exposição (PrEP) tem avançado a passos largos. Em um estudo divulgado nesta terça-feira, 11, pesquisadores jogam luz sobre uma formulação anual que pode ser capaz de proteger contra o vírus.
A pesquisa foi publicada na renomada The Lancet e dá conta de um estudo clínico de fase 1 que avaliou a segurança do lenacapavir como PrEP – e não, você não está errado de pensar que já ouviu esse nome em algum lugar. “O lenacapavir já está aprovado nos Estados Unidos desde dezembro de 2022 para o tratamento de infecções por HIV multirresistentes”, explica Alexandre Naime Barbosa, chefe do Departamento de Infectologia da Unesp e coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia.
De fato, sua eficácia em controlar a doença já é comprovada, mas, nos últimos anos, cientistas têm investigado sua capacidade em prevenir novas infecções a longo prazo. Uma dupla de pesquisas publicadas em 2024, por exemplo, demonstra que duas injeções por ano dessa droga tinham capacidade de prevenir novas infecções. Agora, uma versão de duração ainda mais longa foi testada em 40 pessoas.
Os resultados foram interessantes. Mesmo após 56 semanas, os níveis da droga no sangue eram compatíveis com o necessário para impedir a contração do vírus – isso tudo sem efeitos colaterais clinicamente significantes. “O lenacapavir age impedindo que o HIV complete seu ciclo de replicação dentro das células”, diz Barbosa. “Ele atua bloqueando o funcionamento da estrutura protetora do vírus. Isso ocorre em três momentos cruciais: primeiro, o medicamento evita que o vírus libere seu material genético dentro da célula, impedindo o início da infecção; depois, interfere no transporte do HIV dentro da célula, dificultando sua replicação; por fim, impede a montagem de novos vírus, tornando-os defeituosos e incapazes de infectar outras células.”
Mas ainda será preciso paciência. Esse é apenas um estudo de fase 1, com uma pequena população, e, embora tenha mostrado resultados animadores, ainda serão necessários outros trabalhos para mostrar que as injeções anuais são mesmo eficazes em populações mais diversas do que esses 40 indivíduos.
Prevenção a longo prazo
Esse não é a primeira vez que uma PrEP com ação de longo prazo ganha corpo. Em junho de 2023, após aprovação nos Estados Unidos, a Anvisa registrou o cabotegravir no Brasil. Com injeções a cada dois meses, ela também é capaz de prevenir novas infecções.
E isso não quer dizer que a formulação convencional não funcione. Os comprimidos diários tem eficácia de mais de 90% na proteção contra novas infecções. O problema, contudo, é que além das pessoas terem dificuldade em aderir ao compromisso de tomar uma pílula todos os dias, ainda há uma grande barreira de acesso e estigma. “A PrEP de longa duração traz uma grande vantagem em relação aos comprimidos diários, pois melhora significativamente a adesão ao tratamento”, diz Barbosa. “Se a PrEP injetável for amplamente adotada, a prevenção do HIV pode ser potencializada, especialmente entre aqueles que têm dificuldade em manter o uso diário dos comprimidos. Isso representa um avanço importante na luta contra a epidemia, tornando a proteção mais acessível e eficaz para um número maior de pessoas.”
E isso não está tão longe de se tornar realidade. De acordo com o especialista, além do cabotegravir já estar aprovado, é possível que o lenacapavir esteja disponível em parte dos países de média e baixa renda já no início de 2026, a depender dos processos regulatórios.
Isso se torna especialmente importante num momento em que infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) estão em franco crescimento em todo o mundo. A medida é positiva porque os usuários da PrEP fazem testes sorológicos com uma frequência maior, facilitando o monitoramento e a contenção de surtos. “A PrEP continua sendo uma ferramenta essencial para a prevenção do HIV e há diversos esforços para ampliar seu acesso e combiná-la com outras formas de prevenção”, diz o médico.