Qual é a hora certa de comer?
Um novo campo de estudos investiga a relação entre o relógio biológico e a forma como o corpo aproveita os nutrientes
“Se você comer tarde da noite ou começar o café da manhã em um horário totalmente diferente a cada manhã, estará constantemente deixando seu corpo fora de sincronia. Não se preocupe, a solução é igualmente simples: basta definir uma rotina alimentar e cumpri-la. Tempo é tudo”, escreveu Satchin Panda, um dos maiores especialistas do mundo em ritmos circadianos, no best-seller The Circadian Code: Lose Weight, Supercharge Your Energy, and Transform Your Health from Morning to Midnight.
É recomendação baseada no princípio da chamada crononutrição, uma área relativamente nova da ciência e que nos últimos anos ganhou tração inédita. Ela investiga o modo pelo qual o relógio biológico, ou ritmo circadiano, influencia o aproveitamento dos nutrientes que ingerimos. O que foi levantado até agora demonstra que quando comer é tão importante quanto o que comer. Tome-se como exemplo o mais recente estudo divulgado. Feito por pesquisadores da Universidade Waseda, no Japão, e publicado no início de julho na revista Cell Reports, o trabalho buscou esclarecer se consumir a maior parte da quantidade diária recomendada de proteínas no café da manhã, em vez de fazê-lo no jantar, resultaria em maior massa muscular. A resposta: sim. A hipótese é que, pela manhã, o metabolismo de proteínas é mais eficiente, contribuindo para o aumento do volume muscular.
Outras pesquisas indicam que a digestão e a absorção de carboidratos e de gorduras também variam de acordo com o relógio interno. “Os alimentos são processados de modos distintos dependendo do horário em que os consumimos”, afirma a nutróloga Marcella Garcez, diretora da Associação Brasileira de Nutrologia. Os horários das refeições, enfim, têm grande influência no ganho e na perda de peso e no risco do desenvolvimento de condições como diabetes e doenças cardiovasculares.
Determinados hormônios, enzimas e o sistema digestivo estão preparados para a ingestão de alimentos pela manhã e à tarde, quando o organismo precisa de energia para dar conta das tarefas cotidianas. À noite, o que ele necessita é descanso. Por isso o sistema endócrino regula o sobe e desce de hormônios ao longo da vigília e do sono de forma a sincronizar produção e hora. Pela manhã, os níveis de cortisol e de insulina estão no máximo. Os dois hormônios atuam em conjunto para facilitar o armazenamento de energia. O cortisol contribui para a fabricação de insulina, responsável por permitir a entrada da glicose circulante no sangue dentro das células. O metabolismo, ou capacidade de queimar calorias, também é maior. À noite, o corpo se prepara para o relaxamento. A liberação da insulina diminui, o cortisol dá lugar à melatonina, hormônio que induz ao sono, e o metabolismo fica mais lento. Os compassos são precisos. “Mudanças na rotina alimentar podem levar a alterações que prejudicam a saúde”, diz o geneticista Marcelo Sady, diretor do laboratório Multigene. A sinfonia do corpo humano pede harmonia.
Publicado em VEJA de 4 de agosto de 2021, edição nº 2749