Saborosas e saudáveis: o impacto das frutas nativas para prevenir doenças
Uma revisão de vários estudos confirma e amplia esse bom motivo para celebrar nossa biodiversidade
Açaí, acerola, baru, buriti, goiaba, jabuticaba, juçara e maracujá são exemplares de “uma flora estranha, perfumosa e cativante”, para usar as palavras de Luís da Câmara Cascudo no clássico História da Alimentação no Brasil. Nativas ou adaptadas a esta terra onde se plantando tudo dá, são frutas que, além de símbolos da biodiversidade e da dieta brasileira, conquistaram nos últimos tempos lugar de destaque nos meios científicos devido à riqueza de seus nutrientes. Pois esse tesouro de benefícios à saúde é ainda mais reluzente do que se pensava, como demonstra uma robusta revisão e compilação de pesquisas já realizadas assinada por uma equipe da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Após analisar uma série de experimentos em laboratório e estudos clínicos, os especialistas constataram que, em comum, essas frutas comuns, mas não amplamente consumidas no país, contêm substâncias capazes de interferir positivamente na microbiota — o ambiente em que vivem os microrganismos intestinais — e na prevenção de doenças crônicas, como diabetes e problemas cardiovasculares. Espécies aparentemente diversas, como buriti e goiaba, concentram fibras e compostos bioativos que contribuem para o equilíbrio do aparelho digestivo, ao alimentar bactérias benfeitoras que moram nele — com repercussões diretas e indiretas na saúde humana. “Enquanto as fibras melhoram o trânsito intestinal e aumentam a sensação de saciedade, os compostos bioativos induzem respostas antioxidantes e anti-inflamatórias ao modular a microbiota”, explica Marcella Garcez, diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).
Na prática, a ingestão regular dos frutos tipicamente brasileiros, in natura ou quase, atenua processos fisiológicos que, com o envelhecimento e os estresses do cotidiano, conspiram para impulsionar um leque de condições que vai de câncer a males cardíacos. “Optar por frutas nativas é uma forma de quebrar a monotonia alimentar associada a uma dieta desbalanceada. Ainda por cima, os preços são muitas vezes mais acessíveis para a população”, diz a nutricionista Lara Natacci, da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban). Açaí, jabuticaba e companhia são ainda um meio saboroso e simples de cumprir a meta de consumo diário de vegetais estipulada pela Organização Mundial da Saúde (OMS): cinco porções, ou 400 gramas, de frutas e hortaliças.
O açaí, principalmente, se destaca entre as frutas nativas como uma força da natureza. A polpa roxa típica da Região Norte servida em potes em boa parte do mundo não só reúne predicados nutricionais como representa uma força econômica pujante: em 2022, o Pará, que responde por 90% da produção no país, exportou mais de 8 000 toneladas, movimentando mais de 130 milhões de reais. A jabuticaba, por sua vez, conhecida lá fora como Brazilian berry, impressiona pela cota de antocianinas, o pigmento que lhe dá a cor escura e presta serviços essenciais às células — supera, nesse quesito, a uva e o vinho tinto. Enquanto isso, o baru, uma castanha natural do cerrado, tem se revelado, em pesquisas conduzidas na Universidade Federal de Goiás (UFG), um tremendo aliado no controle do colesterol alto e na proteção das artérias.
Diversidade, palavra-chave da conservação do meio ambiente, aplica-se também à manutenção de uma dieta adequada. Dar mais espaço às frutas nacionais no dia a dia, além de saudável, estimula a economia local e colabora para a preservação das espécies e de seus hábitats. Entre os cientistas, é consenso que a concentração no cultivo de um pequeno número de produtos alimentares (laranja e soja, por exemplo) limita a renovação do solo e o uso de práticas ecologicamente mais sustentáveis. Ao valorizarmos e saborearmos as frutas nativas, beneficiamos a saúde — e o planeta também.
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2023, edição nº 2867