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Stress causa cabelo branco, comprova estudo da Harvard

Em estudo inédito, pesquisadores da Harvard mostram que o stress causa danos permanentes às células-tronco regeneradoras de pigmento no folículo capilar

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 jan 2020, 15h41 - Publicado em 22 jan 2020, 15h01

Há muito tempo o stress é associado ao aparecimento de cabelos brancos. Reza a lenda que quando Maria Antonieta foi capturada durante a Revolução Francesa, seu cabelo ficou branco da noite para o dia. Na história mais recente, o ex-senador americano John McCain, que morreu em 2018, perdeu a cor dos cabelos após sofrer ferimentos graves como prisioneiro durante a Guerra do Vietnã. No entanto, eram apenas histórias. Não havia evidências científicas que comprovassem essa associação. Até agora.

Em um estudo publicado nesta quarta-feira (22) na revista científica Nature, pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (Crid) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), descobriram que o nervo envolvido na resposta de luta ou fuga, desencadeada em momentos de stress, causa danos permanentes às células-tronco responsáveis por produzir melanina nos folículos pilosos (estrutura que produz os cabelos e pelos). Esse fenômeno causa a perda precoce de coloração dos cabelos de forma permanente.

A descoberta ressalta os efeitos causados ​​por uma resposta evolutiva protetora, relatam os pesquisadores .”O sistema nervoso simpático é responsável pela ativação da reação de ‘lutar ou fugir’ quando estamos em situações de perigo. É essa reação que aumenta o batimento cardíaco e a respiração quando tomamos um susto, por exemplo. E ela é muito importante para a nossa sobrevivência. Mas, surpreendentemente, descobrimos que ela também é responsável pelo aparecimento precoce do cabelo branco”, diz à VEJA Thiago Mattar Cunha, diz à VEJA Thiago Mattar Cunha, pesquisador do Crid, centro criado com financiamento da Fapesp, e um dos autores do estudo.

Durante um estudo sobre dor, realizado no Crid, os pesquisadores perceberam que camundongos que tinham a pelagem completamente preta ficavam com os pelos brancos após quatro semanas recebendo resiniferatoxina, uma substância que ativa um receptor expresso por fibras nervosas sensoriais e induz dor intensa. “Após alguns experimentos, descobrimos que essa reação era realmente causada pelo stress desencadeado pelo excesso de dor. Mas os mecanismos pelos quais o stress deixa os pelos brancos permaneciam desconhecidos”, conta Cunha.

Então, durante um período como professor visitante em Harvard, ele e outros colegas se juntaram à pesquisadora Ya-Chieh Hsu, que investiga processos que controlam a diferenciação de células-tronco da pele. Chegar a descoberta do porque o stress acelera o aparecimento dos fios brancos não foi tarefa simples. O stress leva à ativação de vários mecanismos e sistemas biológicos no corpo, então era necessário descobrir o sistema responsável pela associação entre o problema e a cor dos cabelos. A primeira hipótese testada avaliava o stress como causador de um ataque imunológico às células produtoras de pigmentos.

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No entanto, quando os roedores foram geneticamente modificados para não terem células imunológicas, eles ainda ficaram com os cabelos brancos após momentos de stress. Logo, essa hipótese foi descartada e os pesquisadores testaram a segunda possibilidade: a ação do cortisol, o hormônio do stress. “O stress sempre eleva os níveis do hormônio cortisol no corpo, então pensamos que o cortisol poderia desempenhar um papel.”, disse Ya-Chieh. Mais uma vez, encontraram um beco sem saída. “Quando removemos a glândula adrenal dos camundongos para que eles não produzissem hormônios semelhantes ao cortisol, seus cabelos ainda ficavam grisalhos sob estresse”.

O papel das células-tronco

Após eliminar sistematicamente diferentes possibilidades, os pesquisadores chegaram ao sistema nervoso simpático, responsável pela resposta de luta ou fuga do corpo. Os nervos desse sistema se ramificam nos folículos pilosos e, em momentos de stress, liberam noradrenalina. O neurotransmissor ativa excessivamente as células-tronco regeneradoras de pigmentos, responsáveis por se converterem, ao longo da nossa vida, em células que produzem a melanina que dá cor aos fios.

Essa superativação faz com que as reservas de células-tronco nos folículos se esgotem rapidamente e ele perde a capacidade de produzir melanina, deixando os fios brancos prematuramente. “O bulbo capilar tem enervações do sistema nervoso simpático. Na base desse bulbo estão várias células-tronco melanocíticas, células indiferenciadas que se auto reproduzem e dão origem às células produtoras de melanina, o principal pigmento pela cor da pele e do cabelo. Normalmente, essas células diminuem no decorrer da idade e os cabelos vão ficando brancos. O que vimos nesse estudo é que o stress acelera a diferenciação e, consequentemente, o esgotamento dessa reserva de células”, explica Cunha.

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De acordo com Cunha, qualquer tipo de stress foi capaz de causar essa reação nos cabelos, mas o stress causado por uma dor forte e prolongada, por exemplo, provoca esse efeito de forma mais rápida e intensa. “Quando começamos a estudar isso, eu esperava que o stress fosse ruim para o corpo – mas o impacto prejudicial do stress que descobrimos estava além do que eu imaginava. Depois de apenas alguns dias, todas as células-tronco regeneradoras de pigmentos foram perdidas. Depois que eles se foram, você não pode mais regenerar o pigmento. O dano é permanente.”, disse Bing Zhang, líder do estudo.

Possibilidade terapêutica

Em relação a um possível tratamento para evitar o “embranquecimento” dos fios devido ao stress, os pesquisadores conseguiram descobrir uma proteína que está diretamente envolvida no processo e inibi-la pode impedir o aparecimento dos cabelos brancos. Pelo menos, quando isso é causado pelo stress.

“Procuramos genes cuja expressão fosse mais alterada após a indução do estresse, e um chamou nossa atenção: o gene que codifica uma proteína chamada CDK.”, disse Cunha. Quando os pesquisadores repetiram o procedimento de indução da dor e trataram os camundongos com um inibidor da CDK, eles descobriram que a diferenciação de células-tronco de melanócitos era impedida, assim como a perda de cor da pele.

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“Esta descoberta mostra que o CDK participa do processo e pode, portanto, ser um alvo terapêutico. Mas ainda é cedo para saber se um dia isso se tornará um alvo na prática clínica. […] Seria necessário verificar se um inibidor da CDK tem efeitos colaterais e, se sim, se eles seriam superados pelo benefício estético”, disse Cunha. Até lá, é melhor tentar relaxar.

Próximos passos

Segundo os pesquisadores, a descoberta do mecanismo de ação pelo qual o stress acelera o aparecimento de cabelos brancos pode ajudar a elucidar efeitos mais amplos do stress no organismo. “Ao entender exatamente como o stress afeta as células-tronco que regeneram o pigmento, lançamos as bases para entender como ele afeta outros tecidos e órgãos do corpo. […] Esse é o primeiro passo crítico para um eventual tratamento que pode interromper ou reverter o impacto prejudicial do stress.”, afirma Ya-Chieh.

O próximo passo da equipe do Crid é estudar a relação do stress agudo com o sistema imunológico.

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