TDAH: Os estigmas e os fatos sobre uma condição que intriga multidões
Em um mundo povoado de hiperatividade, a explosão de supostos diagnósticos atraem a atenção de pais e jovens
TDAH. Poucas siglas hoje em dia movimentam tanto a pesquisa no Google. Pois as quatro letras de uma complexa condição neurobiológica ganham as telas à frente de pessoas preocupadas com a falta de atenção que parece dominar seu dia a dia — ou o de seus filhos. A incômoda popularidade que o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade angariou na internet e nas rodas de conversa nos induz a pensar se não vivemos uma epidemia desse distúrbio que afeta crianças, jovens e adultos. O número de pesquisas sobre o termo nos motores de busca registrou aumento superior a 570% em relação a cinco anos atrás. Tamanha demanda por algum tipo de orientação começa a ser atendida: enquanto profissionais de saúde e influenciadores famosos tocam no tema nas redes sociais, ao menos quatro livros recém-lançados no país se prestam a desmistificar o assunto. É bom, sim, divulgar o problema e acabar com os estigmas. Mas é crucial evitar diagnósticos fajutos e tentativas de pasteurizar os sintomas.
O interesse sobre o TDAH, um nó mental de fundo genético por trás da dificuldade para se concentrar e da adoção de comportamentos impulsivos, começou a decolar em meio ao confinamento imposto pela pandemia. O tema ganhou tração na internet com abordagens diversas: alguns perfis tratando o transtorno com tom científico e sensível, outros, de maneira até jocosa. Enquanto um boom de autodiagnósticos se anunciava, médicos bateram na tecla de que apenas uma investigação mais aprofundada cravaria (ou não) a presença do quadro e comemorou-se a chegada ao Brasil do primeiro medicamento para TDAH sem propriedades estimulantes — uma revolução por abolir o risco de dependência. Sinal dos tempos: a busca pela nova droga, de nome comercial Atentah, na internet cresceu mais de 3 000%. Soma-se a esse cenário a queda da patente do mais famoso remédio prescrito atualmente nesses casos, o Venvanse — comprimido que, diga-se, por vezes não é usado pelos pacientes e acaba nas mãos de gente sem o diagnóstico que quer apenas turbinar sua performance mental, como se fosse uma droga da produtividade.
Afinal, vivemos um “ surto” de TDAH e realmente mais pessoas manifestam essa condição? O psiquiatra Guilherme Polanczyk, professor da Faculdade de Medicina da USP e uma das principais autoridades na área, está conduzindo um estudo para revisar a prevalência do problema. Em 2007, com base em mais de 100 pesquisas de todos os continentes, o índice chegava a 5% da população. Sete anos depois, uma atualização foi feita e, agora, os dados estão sendo analisados. “Até o momento não temos nenhuma evidência de um aumento real no número de pessoas afetadas”, afirma o médico.
Traços do que hoje chamamos de TDAH foram descritos desde a Antiguidade — registros históricos documentam que algumas crianças não paravam quietas por nada. Mas a classificação no principal manual para diagnóstico de transtornos mentais, compilado pela Associação Americana de Psiquiatria, ocorreu apenas em 1987. Assim, é compreensível que ainda seja um termo a exigir mais conhecimento. Médico e paciente, o psiquiatra John Ratey foi um dos precursores do debate a respeito do assunto com um livro lançado há exatos trinta anos ao lado do também psiquiatra Edward Hallowell. Agora, refresca a mente de quem quer se atualizar sobre o transtorno e quer ir além da internet com a obra TDAH 2.0 (Editora Sextante). O professor ressalta a relevância da adesão aos medicamentos corretamente prescritos e de práticas como meditação e atividade física. Mas admite que vivemos num paraíso de distrações, sobretudo pelo uso em massa das redes sociais. “O fato é que hoje temos mais dificuldade em sustentar a atenção. É algo com o qual teremos de aprender a lidar e que faz muitas pessoas pensarem que possuem TDAH”, disse a VEJA.
Outros textos assinados por quem vive o transtorno na própria pele chegam com a proposta de esclarecer e despir mentiras e preconceitos. Em TDAH: como Lidar (Rocco), a americana Jessica McCabe transpõe para as páginas questões debatidas em seu canal no YouTube, com quase 1,8 milhão de inscritos. Já em O Pequeno Livro do TDAH (BestSeller), a artista francesa Alice Gendron, um fenômeno no Instagram, aborda seus dilemas e experiências por meio de ilustrações e mensagens mais curtas.
Enquanto isso, o psicólogo brasileiro Felipe Rosenberg alerta, em Descobrindo como Lidar com o TDAH (Letras do Sertão), para a importância de não tornar o diagnóstico algo trivial, e sim acolher os sintomas e as vivências de cada um. “É importante que se possa falar com menos estigma e de forma aberta, mas sem banalizar algo que traz prejuízo e sofrimento”, diz Polanczyk. Nesse percurso em busca de informação e orientação, a companhia de outras pessoas que convivem com o distúrbio e de especialistas que se dedicam a ele é bem-vinda. Inclusive como porta de entrada para o tratamento, amparado em medicações e psicoterapia. O TDAH não precisa mais ser um enigma angustiante, tampouco uma sigla assustadora.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915